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O MENINO CHICHÃO SE TRANSFORMOU NO CAPITÃO AMÉRICA

23 / maio / 2018

por Marcos Vinicius Cabral

O sol ia nascendo e trazendo um presságio de coisas boas para aquele sábado, 14 de julho de 2012.

Enquanto o céu estava azul com nuvens parecidas com algodão doce, a todo instante meu pensamento ia longe, mas especificamente no Botafogo e Flamengo, que decidiram o Brasileiro de 1992.

O vento, uma leve brisa que nos beijava o rosto, direcionava nossos olhares para lugares distintos: ele (meu pai) para o trânsito à sua frente e eu para os mergulhos ensaiados das gaivotas à procura do peixe fresquinho.

Nosso silêncio era, por ora, quebrado como um cristal se espatifando no chão quando sons vinham da mala do nosso carro, desordenando os quadros que ali estavam arrumados.


– Vai devagar que eles não podem quebrar! – dizia eu para meu pai, preocupado com cada lombada irregular do asfalto por onde o carro passava.

Se a preocupação era grande em chegar com os quadros intactos, o que dizer da alegria quando recebi o convite do maestro Júnior para desenhá-los, no fim de 2011, após fazer muitas caricaturas em época natalina para o recordista de partidas oficiais do Flamengo?

Afinal de contas, estávamos indo eu e Babylon (apelido carinhoso que dei ao meu pai há alguns anos) ao Cheirinho de Gol – clube tradicional situado no Recreio dos Bandeirantes, Zona Oeste da cidade do Rio de Janeiro – entregar algumas caricaturas e também participar das comemorações das duas décadas da conquista do Pentacampeonato Brasileiro do Flamengo.

Chegamos um pouco antes das 9h, conforme recomendação do eterno camisa 5 rubro-negro.

Nas dependências do clube, havia um jogo em que Dodô – conhecido como artilheiro dos gols bonitos, nas passagens por Botafogo, Fluminense e Vasco – mantinha a forma, já que defendia o Al Ain Football Club, nos Emirados Árabes.

Enquanto assistíamos o jogo, aos poucos foram chegando um a um os campeões.

A pedido do maestro Júnior, fui buscar os quadros na mala do carro para entregá-los.


Gottardo

Daquele (improvável) Flamengo que sagraria-se campeão, fiz as caricaturas de Gilmar, Júnior Baiano, Wilson Gottardo, Gaúcho, Zinho e lógico, de um maestro, que sob sua regência soube tão bem tirar belas notas musicais de uma orquestra desafinada.

E fiz a do Carlinhos Violino, que conduziu serenamente o Flamengo rumo ao título, com sua voz macia e jeito sempre peculiar.

Mas em virtude de ter que sair um pouco mais cedo junto com meu pai, não pude entregar a todos suas caricaturas.

Entreguei ao Gilmar, maestro Júnior e ao Zinho.

Entretanto, fui avisado que os demais receberiam seus quadros.

Porém, o único que não recebeu – segundo o  maestro Júnior – foi o Carlinhos Violino.

Portanto, hoje, 23 de maio de 2018, um dos maiores zagueiros do futebol brasileiro faz aniversário: Wilson Gottardo!

Nascido em Santa Bárbara d’Oeste, interior de São Paulo, o menino Wilson Roberto Gottardo era um apaixonado por esportes em geral.

Era praticante de algumas modalidades esportivas e, certa vez, numa corrida com mais de 50 garotos mais velhos que ele, ganhou a medalha de prata.

— Foi a primeira e única  medalha que seu Euclides viu eu ganhar na vida, pois um ano depois, veio a falecer — conta emocionado ao Museu da Pelada ao lembrar do pai.

Se aos 13 anos perdera seu maior incentivador, viveu praticamente uma vida toda sem sua figura paterna.

Mesmo com as inexplicações da vida, foi viver e seria uma bobagem se entregar, apesar do duro golpe.

Não baixou a guarda e viu todo o desdobramento de Dona Thereza para criá-lo junto aos outros cinco irmãos.

Se tornou exímio jogador de futsal, sendo inclusive campeão intercolegial,  onde desenvolveu habilidades para jogar nas laterais direita e esquerda, além de fazer bem o papel de volante.

Já no vôlei, beneficiado pela velocidade adquirida do atletismo e da boa estatura, sempre era escolhido nas quadras mal acimentadas da cidade.

No basquete, treinado por Álvaro Alves Corrêa – que viria a ser o prefeito da cidade anos mais tarde – sagrou-se campeão em um torneio intermunicipal. 

Mas o futebol talvez corresse nas veias daquele garoto e fosse uma paixão desde muito cedo, quando com uma bola mas mãos – ou nos pés, melhor dizendo – caminhava quilômetros para jogar contra times de outras ruas e de outros bairros.


Naqueles longínquos anos 70, o contato com o futebol era possível apenas no cinema – onde ia às vezes assistir filmes do Canal 100 -, no rádio, através das narrações esportivas nos grandes clássicos e raramente na TV, que havia se tornado à cores.

Em 1978, aos 15 anos de idade, Chichão – apelido carinhoso como era chamado – jogou seu primeiro campeonato amador da cidade de Santa Bárbara d’Oeste e viveu a partir dali, algo intenso com o futebol.

Por ser uma cidade do interior de São Paulo, seria evidente que sendo destaque naquele campeonato os convites de equipes surgiriam naturalmente.

E foi o que aconteceu.

Indo para o Colégio Estadual Emílio Roni, onde cursava o 2°grau, um encontro selaria seu destino.

— Você vai jogar aqui no União —, disse seu Legório, roupeiro do União Agrícola Barbarense Futebol Clube.

Fez alguns treinos e por sua versatilidade de ter jogado em todas as posições no setor defensivo, passou sem grandes dificuldades.

Com foco e uma obstinação incomuns, transferiu às aulas do turno diurno para o noturno para poder treinar com os profissionais.

Já no grupo principal de jogadores do União Barbarense, clube que revelou Brandão e Eusébio (que jogaram com o Rei Pelé), Osvaldo (Campeão Mundial pelo Grêmio em 1983), Oscar (autor do gol de honra nos 7 a 1 para a Alemanha no Mineirão, na Copa de 2014), Diego Tardelli e do falecido Mazolinha (famoso por ter cruzado a bola para o gol de Maurício, na final do Campeonato Carioca de 1989), o menino Chichão se tornaria, em definitivo, Wilson Gottardo.

Aos 19 anos de idade, chegou ao Guarani Futebol Clube e fez parte da lendária equipe que contava com Waldir Perez, Jorge Mendonça, Neto, Edmar e Careca.


Depois disso, jogou no Náutico antes de chegar ao Rio de Janeiro para vestir a camisa 3 do Glorioso.

– A segurança daquela defesa, foi um dos pilares daquela conquista. Mesmo a equipe tendo sido excelente naquele ano, o meu entrosamento com Gottardo foi muito importante! – conta Mauro Galvão, que foi seu companheiro de zaga no título carioca de forma invicta em 1989.

No ano seguinte, repetiu o feito e sagrou-se bicampeão carioca, para delírio dos alvinegros.

Já em 1991, trocou o Glorioso pelo Flamengo e, pela terceira vez consecutiva, levantou a taça de Campeão Carioca.

E foi em 1992, que o destino se incumbiu de colocar o Botafogo em seu caminho, só que desta vez era seu adversário na final do Campeonato Brasileiro.

O título expressivo com a camisa rubro-negra traria uma expressão que o acompanharia a partir dali em sua vitoriosa carreira: xerife!


– Quando a gente concentrava para alguma partida importante do Flamengo, ele não falava muito e era comum vê-lo com a barba crescida. Certa vez, curioso, perguntei o porque daquilo e ele me disse que era zagueiro e se estivesse bonitinho e bem barbeado o atacante não o respeitaria (risos)! – conta Gilmar Rinaldi, de 59 anos, ex-goleiro do Flamengo.

Já o ex-zagueiro Júnior Baiano, emenda:

– No começo da minha carreira tive o privilégio de aprender muito jogando ao seu lado.

A vida seguiu e em 1993, deixou o Brasil e foi para a Europa, onde atuou no Marítimo, de Portugal.

Voltou um ano depois para o Botafogo, onde seria capitão da equipe comandada por Paulo Autuori.

Os títulos do Campeonato Brasileiro e da Copa dos Campeões Mundiais, em 1995, respectivamente por Botafogo e São Paulo, ratificariam sua liderança assim como a predestinação por grandes conquistas.

Até uma breve passagem pelo Fluminense – no qual não conquistou título algum – seria irrelevante para o que o futuro lhe reservaria.


E foi em 1997, na equipe do Cruzeiro que o título da Libertadores coroaria 19 anos de uma vitoriosa carreira.

– Eu pedi sua contratação. Nos treinos, quando ele chegou, facilitou muito o meu trabalho, porque ele sabia os conceitos que a gente queria implantar e com sua liderança natural conquistou o grupo, contribuindo para o crescimento da equipe e alcançando assim o objetivo que era, depois de 21 anos, o título da Libertadores! – diz o ex-técnico cruzeirense e atual Diretor-Executivo do Fluminense, Paulo Autuori, de 61 anos.

Se o Náutico seria um trampolim para brilhar com a camisa do Botafogo no fim dos anos 80, o arquirrival Sport seria seu último clube antes de passar a estrela de xerife para outros zagueiros, em 1999.


– Eu realizei um sonho de garoto em ser jogador de futebol. Jogar em bons estádios, em grandes clubes, viajar e chegar à Seleção Brasileira, foi ter ido muito além do que poderia imaginar. Mas me considero um vencedor por ter superado muitas adversidades. Acho que valeu a pena. – diz o aniversariante do dia.

Portanto, se o campo era o velho oeste, na área ele era o xerife.

Hoje, 23 de maio, o “xerifão” completa 55 anos e o Museu da Pelada pôde contar um pouco da trajetória profissional de um grande zagueiro do futebol brasileiro.

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