por Victor Escobar
Olaria é um charmoso e agradável bairro do Rio de Janeiro que integra a conhecida Zona da Leopoldina junto com Penha, Bonsucesso, Manguinhos e Ramos – a qual, segundo alguns historiadores, é a mais antiga região da Zona Norte carioca.
Vem dessa região, inclusive, uma das maiores rivalidades do futebol carioca, protagonizada por Olaria Atlético Clube e Bonsucesso Futebol Clube, dois times centenários que há tempos não se enfrentam na divisão de elite do campeonato estadual, mas que ainda conseguem balançar com os moradores dos bairros que deram nome às equipes. Mas isso é assunto tão importante que só pode ser tratado num balcão de bar, com cerveja e jiló frito de testemunhas.
O bairro recebeu esse nome porque os senhores de engenho estabeleceram diversas olarias –“lugar onde são fabricados artigos de barro” – naquela região. Embora não tenha nada de indígena no nome e na história, Olaria é composta por um bom número de logradouros com nomes dessa origem, como Paranapanema, Jandu, Itajoa, Aimoré, Iriguati, Merendiba, Itaúna e algumas outras.
A rua mais famosa do bairro, inclusive, vem de origem indígena: a mitológica Rua Bariri, sede do já citado Olaria A. C.– última equipe defendida por Mané Garrincha, em 1972 – que, em tupi (e em rápida pesquisa no Google), significa “água agitada”.
Então, pela lógica, nada mais previsível do que um índio ser o mascote de um clube instalado numa rua com nome indígena, certo? Não, coisa nenhuma! Não passa de mera coincidência. Se essa fosse a história verdadeira, eu não estaria escrevendo essa crônica.
Pois bem, um simpático senhor – que, dentre outras qualidades, chega a ser o atual presidente – do clube me contou o porquê de um bravo e atlético (me desculpem pelo trocadilho) índio armado ser o mascote do time. E, por incrível que pareça, jurando de pés juntos, dedos cruzados e outras mandingas mais, trata-se de uma história real. Pelo menos me disseram que é real. E lá vai!
Mais ou menos nos anos 50, com a retomada da industrialização do Rio de Janeiro, uma família vinda de Mato Grosso se instalou nas proximidades da Rua Bariri para trabalhar em uma fábrica nos arredores da região.
Acontece que, alguns anos depois, não sei por que cargas d’águas a família teve que trazer um parente indígena para morar nas bandas de lá. O problema é que o índio, que andava pintado, de tanga, de cocar e portanto arco e flechas, não conseguiu se adaptar à vida na cidade grande.
Como a família não conseguia prendê-lo em casa, o jeito era deixá-lo nas imediações do clube, que era bastante extenso e que, na época, ainda não tinha muros. Lembrava um pouco a sua terra natal. Assim o índio se sentia livre e tinha quase toda a liberdade do mundo. Também era uma questão de segurança, porque a vizinhança ficava de olho nele. E ele, sempre empunhando arco e flecha, de olho em tudo, se vocês bem entendem. Melhor para todo mundo.
O tempo foi passando e os frequentadores do clube, quase todos moradores do bairro, começaram a se apegar ao índio, que acabou virando símbolo e mascote do Olaria.
E quem disse que só jogador cai nas graças da torcida? O mascote também tem esse poder, e nada melhor do que o exemplo do índio da Bariri.
Um jogador pode cair nas graças da torcida por vários motivos: pela raça, pelo amor e identificação com o clube, pelos gols decisivos, pelos canecos levantados, pela irreverência etc e tal. Disso o torcedor bem sabe. Mas e o mascote? Bom, o índio tinha um motivo único para ser aclamado pelos apaixonados torcedores do azul e branco da Leopoldina.
Lembra de quando eu falei que o índio andava de arco e flecha? Então, nos dias em que o azulão da Bariri estava no gramado e quando o árbitro desagradava a torcida da casa, os torcedores davam agrados ao índio, bem nos moldes do descobrimento do Brasil, para que ele atirasse flechas no juiz e nos bandeirinhas, que, aliás, eram as presas mais fáceis por estarem à beira do campo. O que bandeirava do lado da arquibancada então… esse era o alvo preferido e o que mais sofria. Nem preciso dizer que o índio se divertia e os olarienses mais ainda!
A cada flechada acertada, a torcida delirava como se fosse um gol de final de campeonato. Nada mais justo. Devia ser por isso que o grande Olaria Atlético Clube supostamente se tornou um dos times menos prejudicados pela arbitragem da história do futebol.
A flecha do índio refletia a vontade, a paixão e a indignação da torcida. Garanto que, se cada clube tivesse seu próprio índio nas arquibancadas, não estaríamos discutindo hoje o uso de tecnologia na arbitragem. O videotape pode ser burro, mas a flecha jamais!
(Crônica dedicada a Augusto Pinto Monteiro, o Pintinho, presidente do Olaria A.C. que gentil e divertidamente me contou essa história. Valorize o clube do seu bairro!)
0 comentários