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O HONESTO

16 / fevereiro / 2016


por Sergio Pugliese

Ninguém cogitava a hipótese de perder aquela partida, no Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES), em Laranjeiras. As provocações minutos antes de os times entrarem em campo elevaram ainda mais a temperatura.

– Se perder para vocês mudo meu nome para Setúbal – provocou Itiro, o lateral japonês.

– Itiro, Setúbal, tudo a mesma m….. – rebateu o zagueiro Sérgio Maluco.

De um lado, Kayron, Camilo, Moto Serra, Itiro, Bacana, Luiz Paulo, Tico e Hugo. Do outro, Anderson, Mirandinha, Limão, Sérgio Maluco, Rodrigo Kayron, Xanduca e os gêmeos Ricardo e Rodrigo. No apito, Franz, goleiro afastado dos campos por ter dado azar em 100% dos golpes de vista em que arriscou. Logo no início da pelada, Bacana acertou um tirambaço no ângulo, mas o veterano Xanduca empatou e virou. Saía faísca! Carrinhos, cartões amarelos, discussões!

– Chupa, Tico!!!! – atiçou Limão, ao final do primeiro tempo.

No retorno, Tico empatou e partiu para cima de Limão. Após alguns minutos de “deixa disso”, Franz, trêmulo, reiniciou o racha. Mirandinha fez 3 x 2 e sambou, mas faltando cinco minutos Bacana novamente acertou um pombo sem asas. Anderson voou, não alcançou a redonda e ainda bateu com a testa na trave. Empate. Melhor assim, pensou Franz. E dá-lhe vista grossa. “Segue o jogo!” ordenou após uma rasteira de Moto Serra _ por isso, o apelido _ no ensaboado Rodrigo Kayron, na entrada da área. Depois da trombada a bola sobrara para Tico, ele e o goleiro, mas Moto Serra já havia erguido os braços assumindo a falta. Constrangido, Franz voltou atrás e apitou freando o ataque.

– Tá maluco, Moto Serra??? – berrou Tico, enfurecido.

– Ia ser o gol da vitória, não pode ser honesto numa hora dessas!!!! – completou Camilo.

– Tem que entrar para quebrar mesmo – exagerou Bacana.

Faixa verde em judô, laranja em Krav Magá e fera em boxe tailandês, o motorista Jorge Luís André, de 49 anos, o Moto Serra, respirou fundo para não revidar as peitadas do gigante Tico e do samurai Itiro. Preferiu concentrar-se como nos tempos de laboratório na Casa das Artes de Laranjeiras (CAL), onde formou-se em ator. Após muito bate-boca e debates sobre ética no futebol _ chegaram a lembrar o gol de mão do Maradona _ a barreira foi armada. Franz nunca rezou tanto para uma bola não entrar. Moto Serra ajudou o atacante adversário a levantar-se. Mancando, Rodrigo Kayron assumiu a responsabilidade e posicionou a bola. No gol, Kayron, o irmão mais velho. Na barreira, como pressentisse o pior, Tico fuzilou o sereno Moto Serra com o olhar. Goooooooollllllllllllll!!!!!!!!!!! Fim de jogo! Os vitoriosos não pouparam nem o justo Moto Serra das encarnações.

– Aguenta agora, bom homem…. – ironizou Tico.

– Acha que algum deles faria o que fez, Moto? – questionou Itiro.

– Moto, aprende, na pelada não tem disso!!! – aconselhou Camilo.

Desde os nove anos, Moto Serra é figurinha carimbada na Igreja Presbiteriana do Grajaú, onde hoje é diácono. Aprendeu a respeitar o próximo com os pastores Alex Barbosa e Thiago Rocha, e aposta em gestos assim para mudar a mentalidade do país e dar fim a tanto roubo e corrupção. A mulher, Dona Teresinha, o filho Pedro Henrique e o enteado Wellisson assinam embaixo. Mas Tico, Camilo e Itiro continuavam soltando cobras e lagartos. Na tentativa de atrair as ovelhas desgarradas para o rebanho, Moto Serra abriu a mochila, consultou seu manual, a Bíblia, onde a regra é clara, e leu o provérbio 12:22: “O Senhor odeia os lábios mentirosos, mas se deleita com os que falam a verdade”. E partiu, na paz de Deus.

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