por Marcos Vinicius Cabral
Por alguns anos, foi atribuído erroneamente ao bairro Menino Deus, em Porto Alegre, a música do cantor e compositor baiano Caetano Veloso.
Anos depois, em entrevista ao programa Patrola da RBS TV (afiliada da Rede Globo na cidade gaúcha), o gênio da MPB relata ter conhecido, na capital do Rio Grande do Sul, um “menino” tão lindo que para ele era um “Deus”, razão da escolha do título de sua bela canção.
Se os versos harmônicos deste sucesso de 1978 tornaram o bairro conhecido despretensiosamente, havia ali, desde muito cedo, um garoto que costumava jogar bola até o sol se despedir.
Com as estrelas batendo à porta do céu em sua chegada, o pequeno “Maurinho”, então com 10 anos de idade, era chamado por seu Oquelésio e pela saudosa dona Luzia para vir tomar banho, jantar e dormir.
No dia seguinte, a maratona recomeçava: colégio, casa, futebol até tarde e casa novamente.
Com destreza, começou precocemente a mostrar na ponta-direita do União dos Onze – time tradicional do bairro – um futebol que chamava atenção.
– Começamos a disputar campeonatos da cidade no campo da Redenção e enfrentar Grêmio e Inter. Eu com 10 anos já jogava com garotos de 12, 13 anos. Eu vestia a camisa 7 e apesar de ser ponta-direita, voltava para ajudar na marcação – diz mostrando um sentido de coletividade desde pequeno.
Certa vez, foi jogar contra o Grêmio defendendo as cores amarelo e verde do União dos Onze, na casa do temido adversário.
Com os olhos fixados no gramado do campo suplementar – que ficava ao lado do estádio Olímpico – olhava os pingos fortes da chuva, que fizeram com que o confronto contra o tricolor gaúcho fosse cancelado.
Porém, antes de ir embora, um convite mudaria sua vida para sempre:
– Foi uma coisa bacana e bem casual. Estava vendo o treino dos meninos do Grêmio e o diretor gremista Fernando Zacouteguy, que havia jogado com meu pai há anos no futebol amador da cidade, me convidou. A partir de então, iniciei nas categorias de base do clube! – diz lembrando que começou como lateral-direito.
Mesmo se destacando nas categorias inferiores da equipe gaúcha de 1971 a 1975, foi pouco aproveitado e não foram poucas às vezes em que subia e descia de categoria numa gangorra sem fim.
Nesse período, convensou com seu pai sobre os rumos da carreira, enquanto questionava-se qual rumo seguir dali por diante.
Com uma velocidade impressionante, a história veio de encontro aos ouvidos argutos de seu Abílio dos Reis – considerado o maior garimpador de talentos do futebol gaúcho, tendo inclusive uma biografia escrita contando alguns causos de suas descobertas envolvendo a dupla “Gre-Nal” – e assim, quis o destino que se transferisse para o Internacional.
Na equipe colorada, com apenas 17 anos foi lançado e efetivado pelo técnico Ênio Andrade, que via nos treinos qualidades no menino para fazer parte do plantel.
No Beira-Rio, trocava passes com Falcão, chupava laranja com Jair, dividia esparadrapo com Mário Sérgio, pegava gaze emprestado com Batista, revezava aparelhos na academia de musculação com Valdomiro, matava a sede após os treinos no mesmo bebedouro onde o goleiro Benítez também matava a sua e extraia o máximo dessa rica convivência que aqueles jogadores lhe proporcionavam.
Certa vez, em um treino de dois toques, Falcão o reeprendeu por não ter dado um “bico” na bola.
– Mas onde é o bico? – teria respondido o camisa 4 ao (futuro) Rei de Roma, deixando-o desconcertado.
No ano de 1979 – ano da conquista do tricampeonato brasileiro de forma invicta – o futebol conheceria um dos maiores zagueiros de sua história: Mauro Geraldo Galvão ou simplesmente Mauro Galvão!
Logo no primeiro ano de sua profissionalização, ganhou a primeira “Bola de Prata” da carreira! Criado em 1970 pela revista esportiva Placar, o prêmio era concedido para os melhores jogadores do Campeonato Brasileiro.
Envergou por 392 vezes a camisa do Sport Club Internacional, sendo tetracampeão gaúcho (1981-1984) e acabou convocado por Jair Picerni para as Olimpíadas de Los Angeles, em 1984.
Havia na chamada “Sele-Inter”, 11 jogadores do time colorado que partiram daqui desacreditados, como o restante dos jogadores.
Mesmo tendo atletas da estirpe de Gilmar Rinaldi e Dunga, que seriam campeões mundiais em 1994 nos EUA, Gilmar Popoca, do Flamengo de Zico & Cia. – que viria a ser considerado o melhor jogador da competição – e Luís Carlos Winck e Aloísio, que conquistariam títulos expressivos, o Brasil ficou com a medalha de prata.
Na decisão, sucumbiu diante de 102 mil torcedores no estádio Rose Bowl, em Los Angeles, na derrota por 2 a 0 para a França, que havia conquistado a Eurocopa meses antes.
Dois anos depois, na Copa do Mundo no México, sofreu com o forte calor do Estádio Jalisco em Guadalajara e com a derrota nos pênaltis para a França de Platini,Tigana e Giresse.
Sentado no banco de reservas, ao lado de Valdo e Leão, usando a camisa 16, viu a coreografia das bandeiras verdes e amarelas sumirem das arquibancadas, que acreditavam no título de Telê Santana e seus comandados Oscar, Edinho, Júnior, Falcão, Zico e Sócrates, remanescentes da brilhante seleção de 1982, na Espanha.
Seria inimaginável que após sete anos vivendo as glórias de um time vitorioso, que lhe proporcionara uma Olimpíadas e uma Copa do Mundo, o destino reservaria a Mauro Galvão um desafio à altura de seu talento: trocar o Rio Grande do Sul pelo Rio de Janeiro!
Pois foi no segundo semestre de 1986, que ele trocaria o frio das serras gaúchas pelo sol das praias cariocas e desembarcaria na cidade maravilhosa para jogar no Bangu Atlético Clube – que havia sido vice-campeão brasileiro um ano antes, perdendo a final para o Coritiba, em pleno Maracanã – a convite de Paulo César Carpegiani, seu treinador no Beira-Rio.
Apesar da conquista da Taça Rio de 1987 – um grande feito para uma equipe modesta – e do bom time montado pelo contraventor Castor de Andrade, se transferiu com Paulinho Criciúma e Marinho para o Botafogo.
– Mesmo estando 21 anos sem ganhar um título, o glorioso já era um time grande e precisava apenas exercer essa grandeza dentro de campo e recuperar a confiança no seu torcedor. E foi o que fizemos com a conquista do título carioca daquele ano”, diz lembrando do jejum de 21 anos que o clube da estrela solitária amargava.
O ano de 1989, foi um divisor de águas na vida profissional do camisa 4 alvinegro.
Além do carioca, foi campeão da 34° edição da Copa América, pela Seleção Brasileira – sua primeira e única conquista com a amarelinha – exibindo nos gramados auriverdes, um futebol exuberante.
Garantido na Copa do Mundo da Itália, ficou marcado na famosa “Era Dunga”, e foi eliminado pela Argentina de Diego Maradona, mesmo desempenhando bem o papel de líbero.
Depois disso, mesmo com o insucesso do Brasil nos campos italianos, foi valorizado e vendido para defender as cores preto e branco do Football Club Lugano, onde desfilou seu futebol por 6 anos.
Na Suíça, aprendeu outro idioma, conheceu novas culturas e cresceu intelectualmente e decidiu em comum acordo com a esposa Ana Galvão a hora de voltar.
Retornou ao Brasil em 1996 para, finalmente, defender o Grêmio, clube este que, na infância, quase o fez desistir do sonho de ser jogador profissional de futebol.
Conquistou nos dois anos em que permaneceu no Olímpico, o Campeonato Brasileiro de 1996 e a Copa do Brasil de 1997.
Atleta semovente e em busca de objetivos, venceu um Campeonato Brasileiro pelo Internacional, em 1979 e um pelo Grêmio, em 1996, curiosamente, em um intervalo de 17 anos, que foi a idade que deu seus primeiros chutes numa bola de futebol profissionalmente.
Com uma carreira marcada pela técnica com que jogava, evitava as jogadas ríspidas dentro das quatro linhas e fora delas, não fugia dos marcadores implacáveis em nenhum momento.
Assim foi, quando entrou de sola em uma dividida contra a incerteza e levou a melhor: o Vasco da Gama seria seu novo clube, e pela segunda vez, trocaria o frio do Sul pelo calor do Rio, chegando novamente à cidade maravilhosa.
Se naquele 20 de dezembro de 1979, no Maracanã, o camisa 4 colorado foi algoz dos vascaínos marcando Roberto Dinamite e Cia., chegava a São Januário para cravar com letras garrafais seu nome na galeria de imortais do Gigante da Colina.
Com um “animal” rugindo cada vez mais forte e amedrontando os adversários, Edmundo foi o grande nome da conquista do Campeonato Brasileiro de 1997, e fez com que o experiente zagueiro pensasse no impensável: estender o vínculo com o cruzmaltino e tentar a inédita Libertadores e o inédito Mundial de Clubes, no ano em que o Vasco da Gama assoprou 100 velinhas.
O objetivo inicial foi alcançado e Mauro Galvão como capitão da equipe levantou pela primeira vez na sua carreira a taça de campeão da Libertadores da América, mas na disputa da Taça Interclubes o Vasco foi derrotado pelo Real Madrid, e deixou escapar o título inédito.
O sucesso no Vasco fez Mauro Galvão permanecer no clube até o fim da temporada de 2000, onde ainda conquistou os títulos do Torneio Rio-São Paulo em 1999 e da Copa Mercosul e do Campeonato Brasileiro em 2000.
No início da temporada de 2001, ele retornou ao Grêmio para encerrar a carreira e ainda conquistou o Campeonato Gaúcho de Futebol de 2001 e a Copa do Brasil do mesmo ano.
Em 2002, aos 40 anos de idade, após a disputa de mais uma Taça Libertadores, Mauro Galvão decidiu encerrar a sua vitoriosa carreira.
Parecia jogar de terno em sua área de trabalho e despachava o perigo tamanha facilidade, com a suavidade de um vinho colhido em sua melhor safra.
Este era Mauro Galvão, que jogou o “fino da bola” para alegria de Diogo, de 32 anos, seu filho e seu fã número 1, além é claro, dos torcedores colorados, alvirrubros, botafoguenses, gremistas, vascaínos e todos amantes do bom futebol.
Portanto, feliz aniversário nesses seus 56 anos de vida completados hoje!
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