por Zé Roberto Padilha
Certo dia, vi o Flamengo ser derrotado no domingo e alguns jogadores, como Everton, Paulinho, Pará e Marcelo Cirino aparecem dia seguinte, na Internet, felizes toda vida num churrasco. E tendo às mãos, como troféus, cervejas Stella Artois.
Estavam sorridentes e pareciam comemorar a própria derrocada. Não do clube, que é imortal, mas das suas próprias carreiras. Pareciam desconhecer o tamanho da camisa que vestiam e o que ela representava na vida de tanta gente. Fiz uma crônica, Renato Maurício Prado a reproduziu em sua coluna, em O Globo, e o grupo ficou conhecido como O Bonde da Stellinha.
Lembrava, na ocasião, que saía da concentração do Itanhangá, em 1976, para jogar o Fla-Flu do troca-troca no Maracanã e, na minha cabeça, só havia lembranças e gratidão pelo Fluminense. Como enfrentaria o clube que me acolheu, aos 16 anos, e nos formou até os 23 anos como atleta e cidadão?
Foi quando estávamos próximo de atravessar o Túnel Dois Irmãos e tinha um ponto de ônibus da Rocinha. Tomei um baita susto, parecia que todas as precárias condições que o estado lhes ofereciam, como saúde, segurança e educação, seriam atenuadas por uma vitória do seu time. Se aglomeravam, e pulavam, e sacudiam suas bandeiras rumo ao estádio como se buscassem por lá a dignidade perdida. E entrei em campo, e como suei a camisa, não mais pelo meu coração, algo pessoal, amador, mas para devolver profissionalmente, nem que seja por 90 minutos, o respeito que eles mereciam.
O bálsamo contra a injustiça social tinha um nome, um resultado: a vitória do Flamengo. Não dava mesmo para brincar de jogar futebol com aquela camisa. O Bonde da Stellinha não alcançou isto. E se perdeu defendendo equipes menores país afora.
Parece que nesta segunda-feira vai ser elevado o nosso PIB, o desemprego será diminuído e a chuva vai cair para amenizar toda as queimadas. Porque o Brasil vai acordar e levantar da cama para produzir mais porque a maioria da sua gente, mesmo tomando o mais simples dos cafés da manhã, vai sair de casa toda orgulhosa ostentando seu manto sagrado.
Ontem, não foi o Palmeiras que perdeu. Porque o Palestra Itália, com os euros, dólares e o patrimônio dos senhores do café que tem, vai enfrentar com tranquilidade o protesto de meia dúzia de torcedores bem aposentados. Felipão, mantido no cargo, vai trocar o William pelo Scarpa, o Bruno Henrique pelo Rafael, fora o Ramires que ainda não estreou. E tocar sua nobreza porque a vida continua bela e melhor redistribuída por lá.
Já pelas bandas de cá, as máquinas das fábricas irão rodar mais rápidas, as confecções produzirão mais peças porque quem foi a campo lutar por eles os representou com talento, respeito e consideração à sua história.
Gabigol, Arão, Éverton Ribeiro, Arrascaeta e seus companheiros entenderam que ao dormir cedo, cuidar do corpo, da família, treinar com dedicação e não se deixar levar pelos efêmeros prazeres da Cidade Maravilhosa, irão substituir o Bonde da Stellinha, que envergonhou uma nação, pelo Expresso do Catar, que irá perpetuá-los na galeria do clube mais querido do Brasil.
Quem viver, poderá brindar. Com uma Stellinha não mãos, por que não?
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