por Mauro Ferreira
Eu não estava no banco tricolor. Não tinha idade – e nem futebol – para tanta pretensão. Mas estava no Maracanã naquela tarde. Eu e meu Velho, “seu Ayrton”, que escolheu ficar no meio de campo, a zona da arquibancada onde você podia torcer por qualquer time sem ser incomodado ou incomodar qualquer torcedor adversário. De lá de longe eu vi a obra ser desenhada, linha a linha.
Rivellino era o frisson de todo tricolor. A estreia contra o Corinthians já servira de aperitivo. Na verdade, um banquete de aperitivo. Três gols. “A Máquina” se consolidava como o apelido daquele time. Não era o apelido correto. Máquinas têm comportamento óbvio, repetitivo. E nada havia de óbvio e repetitivo. Eu não gostava do apelido.
Lá de cima, bem lá em cima da arquibancada, de longe, vi Rivellino parar na frente de Alcir. Um mortal escolheria o passe lateral, manter a posse de bola. Não ele. Não o imortal Rivellino. Em princípio não entendi o que havia acontecido, tamanha a velocidade da ação. Só vi quando, diante do lendário argentino Andrada, Rivellino estufou o barbante. Meu cérebro só interpretou o lance todo depois de comemorar muito, abraçado ao meu pai.
Se eu não sendo boleiro, estava estupefato, imagino aqueles ocupantes do camarote privilegiado que era o banco de reservas. Imagino a cabeça do Zé Roberto tentando entender o inesperado. O não óbvio, o lance além da repetição. Não era uma máquina. Era o improviso além da partitura. A surpresa, o imponderável, o talento que diferencia os gênios dos normais.
Anos mais tarde, já jornalista, vi outra obra do mesmo gênio. Dessa vez, no Estádio Nacional de Santiago do Chile. Jogo de despedida do zagueiro Elias Figueroa. Daqui da terrinha, partiu uma seleção de veteranos. Félix, Marco António, Búfalo Gil, Luiz Pereira e outros que não lembro. Dessa vez, eu não estava longe. Atrás do gol defendido por Felix, sentado no gramado, vi mais uma obra prima.
Ainda no campo de defesa, uns dez metros antes da linha do meio campo, mais próximo da lateral esquerda, Rivellino levantou a bola, olhou para a defesa como se procurasse alguém dela e fez o lançamento para Gil, que corria pela direita e já no campo do adversário. Drible de olho. Elástico com o olhar. Não foi gol, mas o “ó” que saiu da boca de todos naquele estádio lotado foi uníssono e muito alto. Um passe de mais de 50 metros olhando pro lado contrário ao da direção do passe que dera.
De volta ao Brasil, fui o mais rápido possível encontrar com meu pai. Quis dividir com ele o que havia visto. Era uma forma de retribuir o presente dado anos antes. O Velho Ayrton ouviu em silêncio cada detalhe do lance. O olho brilhou e o sorriso de canto de boca denunciou que bebia ávido tudo o que eu relatava.
Só os gênios são capazes de surpreender quando se consegue transferir em palavras, toda a emoção e criatividade de um lance de segundos.
Eu juro: gostaria de saber o que sentiu o pai do Zé Roberto Padilha, ao ouvir o filho contar sobre o tal “elástico” daquela tarde/noite do Velho Maraca. Juro. Conta aí, Zé…
0 comentários