por André Felipe de Lima
A maior linhagem do futebol brasileiro tem um sobrenome inconfundível: Da Guia. O último da dinastia chama-se Ademir, ou simplesmente “Divino”, como o batizou a apaixonada torcida do Palmeiras. Sobre ele, o cronista Armando Nogueira escreveu: “Ademir da Guia, tens o nome, o sobrenome e a bola do craque”. O pai do craque, Domingos, o “Divino Mestre”, vaticinou em 1944, quando ele e Dona Maria, avó de Ademir, brincavam com o menino em um parque de Caxambu : “A nova geração de craques ‘made in Da Guia’ chamar-se-á Ademir. Ademir da Guia. Tem dois anos agora, mas já sabe usar os pés com eficiência. Não pode ver uma pedra ou uma bola de papel no chão que não sinta logo o desejo de chuta-la. Olha lá o que ele está fazendo. Está chutando o copo que trouxe para beber a água magnesiana. Ponha diante dele uma bola de borracha e verá como sabe o que deve fazer. Está ali o futuro Da Guia, o zagueiro mais caro da América do Sul. Dele é que vou cuidar, quando me aposentar”. E o pai cumpriu o prometido.
Foi nas ruas do bairro Bangu, na zona oeste do Rio, em que Ademir da Guia deu os primeiros passos, os primeiros chutes. Seus pais Domingos [o maior zagueiro da história do futebol brasileiro] e Erothides sempre zelaram pelo jovem que mais tarde encantaria banguenses e palmeirenses. Sobrinho dos incompreendidos craques de Moça Bonita Luis Antonio da Guia [vetado das primeiras seleções brasileiras no início do século por ser negro] e Ladislau da Guia [um dos maiores artilheiros da história dos campeonatos cariocas], Ademir jogava suas “peladas” nos campos de terra batida, que, mesmo após cinco décadas desde o surgimento daquele russinho de olhos claros e bom de bola, ainda insistem em encantar as crianças do bairro. O mesmo onde o próprio Ademir nasceu, no dia 3 de abril de 1942.
Ademir nasceu Da Guia, mas o nome principal foi uma homenagem de Domingos ao grande amigo e craque vascaíno Ademir de Menezes. Para desespero da torcida rubro-negra, que chiou muito por causa da reverência ao ídolo do time rival.
Antes de completar seis anos, Ademir da Guia, que acompanhou os pais a São Paulo quando Domingos jogava pelo Corinthians, retornou à rua Sulamérica, 1160, em Bangu. Aos sete, dividia o tempo entre a piscina do Bangu e as aulas do primário no colégio Getúlio Vargas. Evidentemente que o menino também jogava bola, mas a natação foi o esporte que norteou a infância e pré-adolescência do lourinho.
Em 1953, defendeu o estado da Guanabara no campeonato brasileiro de natação e, no ano seguinte, sagrou-se campeão carioca infanto-juvenil de natação pelo Bangu.
Mas outro esporte começou a motivá-lo. Os jogos no campo do Céres F.C. e as idas aos estádios para ver seus ídolos Rubens, do Vasco, e Dequinha, do Flamengo, o animavam mais que as piscinas. Dequinha, centromédio clássico, um dos melhores jogadores que já vestiram a camisa rubro-negra, foi a principal referência estilística para Ademir da Guia no início da carreira .
Mas o futebol estava dificultando os estudos. Ademir cursava o ginasial no colégio Campo Grande e, depois, no Belisário. Repetiu a sétima série e abandonou os estudos.
O moleque russinho seguiu a trilha do pai e dos tios e foi parar no Bangu, mas, curiosamente, quem o levou, em 1956, para lá foi um colega de “peladas”, o menino Durval. O técnico da garotada era o ex-atacante Moacir Bueno, que após alguns treinos de Ademir, o colocou na equipe. O filho de Domingos da Guia se preparava para ingressar nas divisões de base do Bangu, que já começava a esboçar o time que seria campeão carioca em 1966. Mas sem Ademir, que definitivamente marcaria seu território na história do futebol brasileiro somente no Palmeiras. Mas, antes disso, há uma singular trajetória vivida no Bangu.
Zizinho, o grande ídolo do Flamengo, do Bangu e do São Paulo, já havia ingressado na carreira de treinador quando teve o privilégio de acompanhar os primeiros passos de Ademir da Guia, em 1960, no time principal do Bangu, que enfrentaria a equipe do Vasco. Eram dois jogos, um entre os times principais dos dois clubes e outro entre os de reservas. Ademir já era titular no time de “cima” e Ziza pediu ao presidente do Bangu que liberasse o filho de Domingos e Ananias para o time de “baixo”. Mesmo descrente o cartola autorizou a liberação dos dois garotos. “Escalei Ademir como centroavante. O Domingos veio falar comigo”, disse Zizinho ao escritor e maestro Kleber Mazziero de Souza, biógrafo de Ademir.
Domingos da Guia alertou que Zizinho iria “acabar com o garoto” já que Ademir nunca havia jogado como centroavante. O Mestre Ziza ponderou ao preocupado pai: “Não tem problema. Ele não vai esquecer o que já sabe […] Vai aprender a partir para cima dos zagueiros, a entrar na área pelos dois lados.”
O treinador chamou o garoto Ademir em um canto e o orientou a utilizar as passadas largas que o caracterizavam em campo para ganhar mais velocidade ao entrar na área adversária. Resultado? O Bangu detonou o Vasco nos dois jogos.
O pai garantia que nunca influenciou o filho no estilo. Para Domingos, Ademir “nasceu sabendo jogar futebol”.
Amanhã, você terá os detalhes do começo da carreira de Ademir da Guia no Bangu. Até lá.
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