por André Felipe de Lima
A crítica mais mordaz contra Ademir foi a de ser um jogador lento. Bobagem que foi insistentemente escrita e dita pela imprensa nos quase 20 anos de carreira do craque. Ademir não precisava correr muito porque suas passadas eram largas. Nada mais que isso. “Muita gente dizia que eu era lento. Até mesmo eu dizia. Em 1965, uma frase que eu havia dito transformou-se em manchete no caderno de esportes de um jornal: ‘Sou lento, mas não vou mudar.’
Ademir da Guia justificava o estilo por ser oriundo do Rio, onde se jogava um futebol mais cadenciado, mais compassado. Mas, para a imprensa paulista, a opinião de Ademir não convencia. “Durante muito tempo Ademir ficou no Parque Antártica aguardando uma oportunidade para surgir no conjunto esmeraldino. Houve inclusive quem esquecesse que Ademir pertencia ao Palmeiras. Todavia, quando a oportunidade chegou. Ademir não conseguiu aproveitá-la de acordo. Mostrou que é um craque na acepção da palavra, que sabe manobrar com a pelota. Entretanto, seus maiores inimigos foram exatamente os excessos de classe e lentidão. Com a bola nos pés, Ademir é um portento, porque sabe entregá-la com perfeição. Porém, sem ela, Ademir é figura decorativa no gramado, pois é lento demais e não é jogador que dê combate ao adversário para desarmá-lo […] É preciso considerar que há muita distinção entre o futebol jogado na Guanabara e o que se pratica em São Paulo. Lá, corre mais a bola que o jogador, pois é um futebol acadêmico, sem muito empenho individual. Aqui, as coisas são bem diferentes, pois é preciso garra, rapidez, entusiasmo, vibração. Estes argumentos destroem o garoto Ademir que, absolutamente, não conseguiu e tampouco conseguirá se adaptar ao futebol bandeirante.”
Ora, reconhecem-no “craque” e, mesmo assim, pediam que o devolvessem ao futebol carioca. O futuro tomaria conta da verdade sobre Ademir, provando aos seus críticos que ele, o “Divino”, estava fadado a ser o maior de todos os tempos no Palmeiras. O fundador legítimo da “Academia palmeirense”. Um estilo “acadêmico” de jogar bola que, como o próprio repórter despeitado escreveu, era genuinamente “guanabarino”.
A imprensa paulista só se renderia à genialidade de Ademir em 1964: “Ademir ‘tapou a boca’ de muita gente”, escreveram. Não havia mais o que falar [mal] do craque “guanabarino”. Até da Itália choviam propostas milionárias. Tudo na casa dos 300 milhões de cruzeiros. Ninguém confirmava, nem mesmo Ademir ou os cartolas do Palmeiras, mas a especulação corria solta na imprensa. Ademir desconversava, dizia que só sairia do Brasil depois de 1966. Tinha esperanças de ser convocado para a seleção brasileira que iria a Copa do Mundo a ser realizada na Inglaterra. E os jornalistas paulistas comentavam: “Está no caminho certo de Londres”. Mas com ressalvas.
Para o jornalista Armando de Castro, Ademir melhorara, contudo precisava desvencilhar-se da timidez para seguir adiante com brilho na carreira. “Agora, Ademir, resta ir em frente. Deixar para lá esse excesso de humildade e retomar o lugar que, de direito, lhe cabe dentro do ‘Esquadrão de Ouro’. Afinal, um ‘divino’ não se pode misturar a simples mortais…”
Conclui-se, portanto, que a posição na qual o craque jogava traz, até os nossos dias, um atavismo. Jogador meia-armador é execrado num dia e no outro recebe glórias aos montes. O périplo de Ademir da Guia nos campos de futebol foi assim. Sua personalidade nunca fora abalada com as críticas ou elogios. Manteve-se sempre sereno, surpreendentemente para a pouca idade que ostentava nos primeiros tempos de Palmeiras. Arroubos juvenis não combinavam com seu estilo consciencioso, dentro e fora dos campos. Em 1966, um cronista francês declarou: “Os brasileiros encontraram em Ademir da Guia o substituto ideal do grande meia Didi, talvez melhor, pois seu futebol é exuberante, pleno de beleza.”
Jornalistas argentinos definiam-no como um dos dez mais do futebol mundial em 1966. Elogios desse porte não o deixavam com nenhum sinal de máscara. Nem na juventude e tampouco na fase mais madura de seu extraordinário futebol.
Em 1971, corria um boato no Palmeiras de que os “mais velhos” receberiam passe livre. O ano não tinha sido bom para o time e as reclamações vinham de todos os lados, sobretudo dos cartolas. Na mira da diretoria estariam Nelson, Dudu, Hector Silva, Dé e Ademir da Guia: “Eu sei o que reclamam. Não leio jornais, não escuto rádio, não vejo televisão, mas sei o que reclamam […] Reclamam que eu não lanço e que sou lento, como sempre. Acontece que, sem querer me defender, o time do Palmeiras sempre teve esse estilo”. Reclamaram tanto que Ademir, coberto de razão, liderou o time ao “bi” brasileiro, em 1972 e 73.
Quando a carreira de Ademir ia se aproximando do fim, em 1976, sobrou-lhe, contudo, tempo para mais uma conquista. Como fiel parceiro de meio-campo, Dudu, conquistou o campeonato paulista de 1976, derrotando, na decisão, o XV de Novembro de Piracicaba.
Após o título, o time foi desfigurado. Ademir acreditava ter mais alguns anos de carreira. Ledo engano. Em 1977, durante o campeonato paulista, o “Divino” queixava-se de uma insistente dor na garganta. Do campo para a mesa de cirurgia. Pouco adiantou. Restou ao craque deixar os gramados no dia 18 de setembro do mesmo ano, em uma partida contra o Corinthians, que venceu a peleja por 2 a 0. Ademir não aguentou até o final da partida e foi substituído por Picolé.
No Palmeiras, Ademir da Guia ficou de 1961 a 1977. Disputou 901 partidas com a camisa do Verdão. Um recorde que até hoje ninguém conseguiu quebrar. Venceu 509 vezes e empatou 234. Fez 153 gols. Mas como foi a presença de Ademir da Guia na seleção brasileira? A resposta é das mais inusitadas: não foi.
Amanhã, no quinto e último capítulo da série “O Divino Ademir da Guia” a decepção com a seleção brasileira e o fim da carreira do genial craque palmeirense. Até lá.
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