por Marcos Vinicius Cabral
Os olhos de Borrachinha – apelido herdado do pai Luís Borracha, goleiro do Flamengo nos anos de 1940 – permaneciam fechados enquanto Perivaldo, China, Mendonça, Búfalo Gil, Renato Sá e o restante dos jogadores do Botafogo enfileirados aguardavam a entrada em campo. Era vida ou morte. Céu ou inferno. Sucesso ou fracasso.
Aquele Botafogo e Flamengo do Campeonato Carioca de 1979, era um daqueles jogos em que o herói entra para a galeria dos imortais do clube ou se torna vilão eterno.
Mas no caso de Borrachinha, herói sem capa e super poderes, nenhum botafoguense que se preze esquece daquela tarde em que o Botafogo venceu o Flamengo por 1 a 0 em partida que só faltou o camisa 1 fazer ‘chover’.
No entanto, aqueles 90 minutos significariam mais um jogo difícil apitado por José Roberto Wright e que consagrariam qualquer um daqueles 22 jogadores que assinaram a súmula do confronto histórico.
Confiante, a Nação Rubro-Negra, cerca de 90% nas arquibancadas do Maracanã, acreditava que o time chegaria à 53ª vitória e manteria a invencibilidade.
Já a exigente torcida alvinegra não confiava no time e muito menos em Borrachinha, reserva de Ubirajara – contundido – e Zé Carlos – que com as pernas fraturadas se recuperava de um acidente de carro em Niterói e não pôde enfrentar Zico & Cia, invictos há 52 jogos.
– Estudava Educação Física na Universidade Castelo Branco, em Realengo, Zona Oeste, quando fui avisado para comparecer à sede do Mourisco, em Botafogo, Zona Sul. Ao chegar, recebi a notícia do acidente do Zé Carlos e fiquei preocupado com ele, mas apesar do susto ele estava vivo e bem! – demonstrou-se preocupado com o triste episódio.
Ferido por dentro com o problema do amigo, Borrachinha, que em nenhum momento deixou de acreditar no potencial e nas qualidades do bom goleiro que era – ora, ninguém sobrevive e sai ileso após enfrentar o Santos de Pelé e Cláudio Adão em começo de carreira, e a Academia do Palmeiras de Ademir da Guia – sabia que mais cedo ou mais tarde uma oportunidade bateria à porta.
– Fui indicado pelo treinador Paulo Amaral, cheguei ao Botafogo em 1977, após ser campeão de um torneio pelo Nacional de Manaus. Dois anos depois, Joel Martins assumiu a equipe principal e me chamou para uma conversa. Eu era o segundo goleiro, mas disse que iria ficar com o Luis Carlos, com quem havia trabalhado nos juniores e que eu, com 28 anos, seria melhor buscar uma outra equipe! – revelou resignado ao lembrar que ficou de 1977 a 1979 treinando no clube sem contrato e na expectativa de surgir um clube interessado.
Mas há quem diga que o goleiro é o médico do futebol e que um erro torna-se mortal. Mas Borrachinha sabia que o par de luvas seria o seu estetoscópio e que em breve seria utilizado para operar milagres.
O destino ia, aos poucos, fazendo com que as coisas fossem, como quebra-cabeça, sendo montadas.
– No jogo contra o Americano de Campos, o Luís Carlos falhou nos dois gols que sofreu no empate. Estava no banco e a torcida não perdoou… sabe como é a vida de goleiro, né? – afirmou confiante de que a hora de mostrar suas qualidades técnicas estava se aproximando.
Faltando duas semanas para o confronto com o Flamengo, até então invicto há 52 jogos, Borrachinha teve a chance tão aguardada e ajudou o Botafogo a vencer o Olaria por 2 a 1 em Marechal Hermes.
Mantido titular, na semana seguinte, no amistoso em Juiz de Fora, embora o resultado fosse um insosso empate sem gols, o novo titular do gol alvinegro foi muito exigido. Deu conta do recado.
Uma semana depois seria o jogo contra o todo poderoso Flamengo, montado por Cláudio Coutinho já visando conquistar o Campeonato Brasileiro, a Taça Libertadores e o Mundial de Clubes.
Enquanto o ambiente na Gávea era o melhor possível, em Marechal Hermes, a interferência da diretoria alvinegra sobre o treinador e o departamento médico chegaram aos ouvidos do elenco.
– Isso pegou muito mal. O Ubirajara e o Luis Carlos estavam contundidos, não tinham a mínima condição de treinar, tampouco jogar. Os médicos, chefiados pelo doutor Lídio Toledo, foram categóricos. O treinador manteve-se firme, não deu a escalação, enquanto trabalhei duro durante aquela semana. Foram sete dias tão especiais que até o Zé Carlos, de muletas, veio me incentivar nos treinamentos! – lembrou emocionado.
Mas o que Borrachinha não esquece foram as palavras incentivadoras do amigo Mendonça na concentração dois dias antes do histórico confronto. Segundo ele, nessa história toda, a relação com o clássico meia de armação alvinegro foi um capítulo à parte.
– Lembro como se fosse hoje. Na noite de sexta-feira, dois dias antes do jogo, na concentração, sentei com o Mendonça e falei: ‘Não me importo se não conseguir outra oportunidade aqui no clube. Eu só quero jogar está partida’. Mendonça disse que ele e os demais jogadores acreditavam em mim e que venceríamos o Flamengo. Foi inesquecível! – diz.
O dia D havia enfim, chegado. Estádio apinhado e tomado por alvinegros e rubro-negros, a expectativa era de um grande jogo. Jogadores de Botafogo e Flamengo chegaram no Maracanã às 14h. Alguns liam jornais, outros ouviam músicas em fitas-cassetes, outros batiam papo e Borrachinha, sempre introspectivo, permanecia reservado Não queria desviar a atenção para outra coisa que não fosse o jogo. Só pensava no Flamengo. Era 100% concentração e ignorava o fato do pai estar como massagista do adversário.
Com camisa e luvas verdes da marca alemã Puma – o time alvinegro todo usava Adidas -, short preto e meiões cinzas, o camisa 1 e agora titular, estava focado. E começará desde cedo a liturgia pré-jogo.
– Me preparei para aquela partida desde o momento em que fiquei sabendo que jogaria. Aquele jogo era o mais importante da minha vida! – contou e relembrou que o Flamengo estava 4.680 minutos sem ser derrotado.
O silêncio sepulcral era quebrado pela ovação dos 139.098 torcedores que entre alvinegros e rubro-negros faziam ‘tremer’ as arquibancadas do Maracanã naquela tarde de 3 de junho de 1979.
Mas havia, havia sim, muita coisa em jogo naquele Flamengo e Botafogo da Taça Guanabara.
– Quando subi as escadas do fosso que dá acesso ao campo, olhei aquele anel gigantesco de alvinegros e rubro-negros e pensei: é hoje que a cobra vai ‘fumar’. A primeira bola que peguei foi no cruzamento do Júlio César Uri Geller. Imediatamente, bateu uma tranquilidade e a adrenalina foi diminuindo. Depois peguei uma outra do Cláudio Adão, que eu conhecia muito bem da época do Santos, já que havia enfrentado esse grande artilheiro do futebol brasileiro, que teve Rubem Feijão como companheiro de ataque na Vila Belmiro naquele que seria o último jogo de Pelé antes dele ir jogar no Cosmos dos Estados Unidos em 1974. Não queria jogar outras partidas bem, eu queria jogar aquele clássico. Era o jogo da minha vida! – confessou e lembrou que o fato de ter começado a carreira na Gávea e enfrentado o Flamengo algumas vezes por outros clubes serviu como um aspecto motivacional.
Aos nove minutos, gol de Renato Sá, que coincidentemente, foi o mesmo jogador que acabaria com a invencibilidade de 52 partidas invictas do Botafogo quando era jogador do Grêmio em 1978 (o recorde mundial pertence ao Glasgow Celtic FC, da Escócia, que permaneceu 62 jogos invicto entre 1915 e 1917).
– Aquele domingo foi um dia atípico, já que saímos da casa do presidente Charles Borer, onde estávamos concentrados, em Jacarepaguá. O ônibus, sem ar condicionado, nos fez sofrer nas quase duas horas de viagem até o Maracanã. Já no vestiário, o concreto tremia na nossa cabeça e lá de baixo a gente só ouvia a torcida gritar: ‘Mengo, Mengo, Mengo…’ e dava um frio na barriga. Deitamos nas banheiras, colocamos os pés para cima e ficamos descansando por uma hora e meia. Sabíamos a pressão que seria enfrentar o Flamengo, invicto há 52 jogos, voando, um timaço e que engolia a nossa torcida nas arquibancadas. O cenário era tão devastador e ao mesmo tempo contraditório! – afirmou Renato Sá.
Contudo, os jogadores foram saudar a torcida alvinegra e Renato Sá, até hoje, acha que a sorte foi determinante para o resultado naquele tarde.
– A verdade é que tivemos sorte. O nosso time do meio para frente estava entrosado com Marcelo Oliveira, eu, Mendonça, Búfalo Gil e Ziza. Fizemos uma jogada pela esquerda do Junior, que jogou uma barbaridade, e quando a bola chegou até a mim, dominei no peito, tirei o Toninho Baiano da jogada e bati de esquerda no cantinho do Cantareli. Ela (a bola) entrou chorando, mas se não for assim não é Botafogo!! – confessou rindo.
Mas a sorte ajuda a quem trabalha. E esteve, segundo Sá, a favor de Borrachinha em partida abençoada.
– A grande figura do jogo chama-se Borrachinha. O homem estava inspirado, fechou o gol e até bola na gaveta do Zico ele defendeu. No fim, foi o melhor em campo e eu tive a felicidade de viver isso! – declarou.
Mas a grande defesa foi mesmo em um chute de Zico, que na entrada da área bateu no ângulo esquerdo.
– Foi um lindo arremate que foi no ângulo. A torcida do Flamengo já gritava gol quando fui lá de mão trocada e espalmei para escanteio! – contou o herói que garantiu a vitória, a quebra da invencibilidade da equipe rubro-negra e manteve o Alvinegro detentor da marca histórica de 52 jogos sem perder.
– Até hoje, passado tanto tempo desse jogo, sonho com a defesa no chute do Zico! – revelou o segredo guardado há mais de 40 anos.
Depois dessa impecável atuação, Borrachinha foi titular no Campeonato Brasileiro no mesmo ano. Já o futuro no clube…
– Foram dois anos de muitos treinos esperando uma oportunidade. Ela veio e aproveitei. Só que na hora de renovar meu contrato, conversei com o vice-presidente, acertamos luvas e salários e a diretoria queria que assinasse o contrato em branco. Pior de tudo foi que contratou o Paulo Sérgio sem que ninguém soubesse. Vai entender! – brincou.
Atualmente, o ex-goleiro Borrachinha, apelido de José Luiz de Moura, tem 73 anos e ensina jovens goleiros em uma academia de futebol em Doha, no Catar, a operarem milagres como os que operou contra o Flamengo há quase 44 anos.
Me lembro como se fosse hoje. Depois Borrachinha foi jogar no Joinville.
Eu estava lá. Foi um luxo calar a torcida do flamengo, em maioria esmagadora no Maracanã. Grande Borrachinha, imensa gratidão.
Tinha apenas 6 anos e a primeira vez que vejo falar deste goleiro borrachinha, no Brasil isso é normal nas não poderia ser. Segundo a matéria foi um grande goleiro e igual a tantos outros que deram tudo em prol do futebol brasileiro estão esquecidos…
Hoje os jogadores da atualidade na grande maioria são mercenários.
Exemplo foi esta seleção da copa do Catar
A defesa do Borrachinha que não foge à minha lembrança nesse jogo foi na falta cobrada pelo Zico. Qualquer goleiro que espalmasse aquela bola já estaria feliz. Mas Borrachinha fez uma ponte cinematográfica e caiu com a bola “catada” junto ao peito. Sensacional !!!
JORNAL DOS SPORTES:
BOTAFOGO PASSA BORRACHINHA NA INVENCIBILIDADE DO FLAMENGO
Eu tinha 10 anos escutei minha tia reclamar que esse dia nao tinha jeito era o fogao ganhador