por Zé Roberto Padilha
Passei meu curso primário, melhor, estudo fundamental, como treinador nas divisões de base do Fluminense FC, em Xerém. Durante cinco anos (1987-1992), realizei aquela ralada básica que toda profissão exige. Isto é, desde que você não tenha padrinhos e se apresente direto aos profissionais nas Laranjeiras.
Acordava 5h30, tomava café e minha esposa nos deixava de bicicleta na Rodoviária. Ela não tinha padrinhos nem madrinhas também. E o ônibus da Viação Salutaris nos deixava uma hora depois no posto policial de Xerém. Por ali ficava aguardando por horas a chegada, ou não, do Tubarão. Um carinhoso apelido concedido a um ônibus truculento e ultrapassado que saia todos os dias da rua Álvaro Chaves. E poucas vezes chegava ao seu destino.
Nossa missão não era apenas preparar uma equipe competitiva para os estaduais da base, era também selecionar, como a natureza, segundo Charles Darwin, quem sobreviveria na selva da profissão mais cobiçada do país. Mas que poucas espécies permanecem. “Aquela que estabelece os parentescos fisiológicos e a comunhão de origem de todos os seres vivos. Ou a transformação das espécies como consequência da seleção natural”.
Não há como ensinar alguém a jogar futebol. Se aprende a tocar piano, violão, dançar tango ou balé e falar inglês. Ou o dom, a vocação vem do berço, ou você esquece. Caso leve jeito, estávamos a postos para aprimorar os fundamentos com que exercerão aquela dádiva concedida pelos deuses do futebol.
Como passei meia década por lá e o tempo era curto, diante da numerosa fila que surgia em ônibus, carros, vans e alguns com cartões da aristocracia tricolor, nos bastavam cinco minutos para dar o veredito se o garoto ficava ou não. Mas para o pai de um adolescente mineiro, seu filho precisaria realizar, a todo custo, o seu sonho de atuar no Maracanã. Mesmo sendo mediano junto a um grupo acima da média que levantara os títulos estaduais 87, infantil, e 89, juvenil. Sendo assim, mediano, permaneceu por lá para ser melhor avaliado. Certo dia, ao convocarmos um grupo para um amistoso, o pai, vendo o filho fora da lista de convocados, atravessou o campo e foi tirar satisfações.
Foi bom conhecer a teoria darwiniana e não discutir com ele. Pelo contrário, convidei-o a sentar ao meu lado e suspendi o coletivo-apronto e liberei uma pelada. Onde ninguém admite perder para ninguém e ser sacaneado na volta do Tubarão. Dei os coletes verdes para o craque do time, Mário Alexandre, e os vermelhos para nosso capitão, o Magaldii. E disse para o pai: “Vou levar dezessete atletas a Muriaé. Se seu filho estiver entre os primeiros dezessete escolhidos entre os vinte e dois, ele vai com a gente”.
Veio a distribuição de coletes e ele só não foi o último porque tinha que ter um outro goleiro. E o pai se levantou do banco, bravo toda vida, disse que aquilo era mesmo uma panelinha e nunca mais retornou de Juiz de Fora com seu filho. Charles Miller, como sabemos, trouxe o futebol para o Brasil. E Charles Darwin já sabia, antes dele, que a habilidade, a técnica e a destreza só manteria em cena os que só o meio permitiria.
Soube depois que o garoto tentou o Vasco. E o Tupi, de Juiz de Fora. E que se tornou um engenheiro respeitado. Contra a natureza não há mesmo como lutar. E as tribunas de honra do Maracanã também é um lugar digno para se ocupar porque lá cabem todos os sonhos possíveis de um pai sonhar.
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