por Rafael Casé
“Os dois tinham a mesma idade e origens bem semelhantes. Embora tenham nascido em locais tão distantes, Belém (PA) e Pau Grande (RJ), vinham de famílias pobres e viveram muitas dificuldades na infância. Eram dois sujeitos simples e pacatos, e ambos tinham uma mesma paixão, a bola… Dona Olga, viúva de Quarentinha, adotou o “cunhado”, de quem gostava muito e era também uma grande admiradora.
– Pra mim o maior jogador do mundo foi Garrincha. Era um anjo. Ele e Quarentinha eram como irmãos. Na conquista do primeiro título mundial, de 58, Garrincha quando chegou foi comemorar conosco lá no apartamento da Álvaro Ramos. Quando viemos morar aqui na Ilha, Garrincha vivia aqui em casa. Ele vinha no fogão, mexia nas minhas panelas, se servia ali mesmo, era de casa. Nós tínhamos limoeiros no terreno, Garrincha ia lá atrás, pegava a fruta no pé e fazia a batida dele. Quarentinha ainda falava: “Não sei como você consegue beber uma coisa dessa”. Garrincha, nessa época, só bebia batida mesmo. Depois daquela história da morte do filho dele é que passou a beber conhaque. Já Quarentinha só bebia cerveja, nada mais.
Jorge, filho de Quarentinha, apesar de pequeno, na época, lembra que a garrafa de Garrincha tinha lugar reservado no bar da casa.
– A garrafa de Praianinha (cachaça famosa naqueles tempos) ficava no bar que tinha lá na sala. Era um bar que tinha pés de palito e uma decoração japonesa, ou chinesa, sei lá… A garrafa era só pra ele.
A filha de Quarentinha, Maria Alice, acha graça ao lembrar da maneira inusitada com que Garrincha chamava os filhos do amigo.
– Ele só chamava a gente de 39. Tinha o Quarenta, meu pai, e nós todos éramos 39. Eu, por exemplo, ele só me chamava de “Gringa 39”.
Mané estava sempre por lá. Ia à casa de Quarentinha para fugir da dieta calórica e alcoólica que lhe era imposta por Elza Soares. Ele e Quarentinha saíam juntos e iam até um botequim próximo para beber algo e comer uns petiscos… Nessas idas e vindas entre a Ilha e os treinos, uma vez Quarentinha, Garrincha e outros craques quase tiveram uma aposentadoria forçada, no cemitério… Os campeões da Copa de 58 haviam ganho de presente um Renault Dauphine, e até mesmo o roupeiro e massagista Assis, do Vasco, foi agraciado. Só que, como ele não sabia dirigir, vendeu o Dauphine para Sabará, só que este também não tinha carteira de motorista. Coube a Escurinho, ídolo do Fluminense, guiar para a turma. Escurinho deixava primeiro Sabará no Vasco; depois, Quarentinha e Garrincha no Botafogo e seguia com Clóvis para as Laranjeiras. Na volta pra casa fazia o caminho inverso.
Garrincha vivia enchendo o saco de Sabará, dizendo que o carro era dele e ele é que tinha que dirigir. Depois de tanto ouvir aquela cantilena, um dia o meio-campo vascaíno decidiu tomar coragem. Garrincha, com ares de vitorioso, sorriu.
Só que entre decidir dirigir e dirigir bem, vai uma grande diferença. Era uma barbeiragem atrás da outra. Todos estavam desesperados, menos Garrincha, que dava a maior força para o “piloto” Sabará. Em São Cristóvão, o motorista novato entrou numa rua, onde uma enorme carreta estava atravessada na pista. Nervoso, acelerou ao invés de frear e todos só não morreram porque o carro que era baixinho passou por baixo da carreta, quase ficando sem o teto.
Um guarda, que viu a cena, ligou a sirene de sua moto e foi atrás. Assustado por não ter habilitação, Sabará continuava em alta velocidade. Garrincha, que não parava de rir sugeriu que Quarentinha pusesse a cabeça para fora do carro para o guarda reconhecê-lo.
Quando Sabará conseguiu parar, o guarda se aproximou de arma em punho e mandou que todos descessem. Garrincha tomou a frente, pediu desculpas ao policial e disse que só estavam correndo porque estavam atrasados para o treino. Para surpresa geral, o guarda liberou o grupo, só que desta vez com Escurinho ao volante. Já, Garrincha foi na garupa da moto da polícia, para que chegasse são e salvo, e a tempo, no treino do Botafogo.”
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