por Rubens Lemos
Em seu best-seller Subterrâneos do Futebol, depois rebatizado Histórias do Futebol, o jornalista e ex-técnico da seleção brasileira, o superlativo João Saldanha estabelecia a verdade universal sobre DNA do futebol.
Metido, como treinador, cartola ou chefe de delegação nas intermináveis excursões do Botafogo que ajudaram a liquidar Mané Garrincha, Saldanha, o João Sem-Medo, justificou jogos em países colonizados e sem tradição: “É uma questão biológica: onde tem crioulo, tem bom futebol”.
João Saldanha era a pura verdade, sendo verdade ou mentira. O negro e o mulato estão desaparecendo do gramado varridos pelo futebol neoliberal ou excludente, que tira dos campos e clubes os habitantes de bairros ou comunidades pobres, onde está concentrada a população que fascinava os estádios de cimento e marquise, de povo desdentado e multidões enlouquecidas por tanta beleza.
Zico é branco e gênio. Sócrates foi branco e gênio como loiro e gênio é Falcão. Reinaldo era branco e gênio, o Reinaldo do Atlético Mineiro. Ademir da Guia, galego sarará e gênio. Tostão, gênio de cara de ovo. Rivelino, gênio e branco descendente de italianos. Taffarel, nosso maior goleiro em todos os tempos, parecia um eslavo.
Mais para cá, Rivaldo, um moreno, jogava mais do que o branco Ronaldo que jogava muito, mas não tinha a cintura de elástico do Ronaldinho Gaúcho. Bebeto era ótimo. Romário, bem superior. E quase escurinho.
Danças tribais africanas e o samba influenciavam o futebol. Estimulavam a ginga nata dos neguinhos de favela, dos crioulinhos de malabarismo em sinal de trânsito. Havia olheiros e não apenas “empresários”, nem todos, óbvio, desonestos.
Os olheiros ganhavam pouco ou não ganhavam nada, que não uma carteira do clube para entrar de graça no jogo do domingo. E eles descobriam os futuros craques nos subúrbios infectos que os tais negociantes de hoje jamais poriam os pés, para não sujar seus sapatos de 700 reais.
O Brasil disputou todas as Copas do Mundo, mas só venceu a primeira quando os negros, mulatos e morenos ocuparam o time. Por idiotice e preconceito, produziram um relatório dizendo que os negros eram fracos e suscetíveis a sentimentalismos em competições.
Desconfio que tudo motivado pelo maldito segundo gol que o pobre Barbosa, negro, tomou na derrota para o Uruguai no Maracanazo de 1950. E ele não teve culpa. Nem no primeiro, tampouco no segundo da virada uruguaia de 2×1.
Então o Brasil em 1958, começou com Gilmar (branco e com Castilho, branco, na reserva, qualquer um estaria ótimo); De Sordi (branco), Bellini (branco), Orlando (branco) e a Enciclopédia Nilton Santos que era único ainda que fosse verde; Dino Sani (branco) e Didi (mulato e intocável, pois nunca haverá outro Didi); Joel (branco), Dida (branco), Mazola (branco) e Zagallo (branco).
Estreamos com um enganoso 3×0 sobre a Áustria. Contra os ingleses, Gilmar defendeu até pensamento e evitou o gol bretão, enquanto esquentavam a bunda, Pelé, Vavá (moreninho) e ninguém menos que Garrincha, mulato de Pau Grande. Pau Grande, calma, é a terra de Garrincha.
Para se classificar, o Brasil derrotou o tal futebol científico da União Soviética com show de Garrincha, gol de Vavá e espetáculo de Pelé: 2×0. Contra o País de Gales, 1×0, Pelé. Nas surras na França (semifinal), gols de Vavá, Didi, Pelé, Pelé e Pelé
e Suécia (decisão), por igual placar de 5×2, Vavá, Vavá, Pelé; Pelé e Zagallo, a crioulada transformou o Estádio Rasunda Solna, numa passarela de pagode.
E, para enterrar a tese ridícula sobre os negros, o lateral-direito De Sordi alegou contusão na véspera da finalíssima. O melhor jogador da Suécia era o ponta-esquerda Skoglund. O crioulo, ele gostava de ser chamado assim, Djalma Santos, entrou no fogo, tranquilo como cobrara o pênalti que ninguém quis bater contra a Hungria (4×2 pra eles), em 1954, anulou o extrema sueco e ainda foi eleito o melhor lateral-direito da Copa do Mundo.
Neto carnal de um negro com uma branca maravilhosa (minha mãe-avó), vomito preconceitos. Joga quem sabe jogar. Mas hoje, quando se olha para o gramado e se vê um preto, geralmente é estrangeiro. Falta melanina africana no futebol do Brasil.
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