por Pedro Tomaz de Oliveira Neto
150 anos depois das batalhas que cortaram os laços coloniais que uniam Brasil e
Portugal desde que as caravelas comandadas por Pedro Álvares Cabral aportaram no
litoral baiano, em 22 de abril de 1500, os dois países se viram envolvidos numa nova
batalha pela independência, desta vez, felizmente, em forma de troféu. Refiro-me à
decisão da Taça Independência, ou da Minicopa, como ficou conhecido o mais
importante dos eventos alusivos ao Sesquicentenário da Independência comemorado
em 1972.
O Brasil vivia tempos de governos militares, do “milagre econômico” e de euforia
nacional pela conquista do tricampeonato mundial de futebol. Neste contexto, a ideia
de patrocinar uma competição internacional atendia diversos interesses. Para o regime
militar, importava manter o clima de otimismo patriótico, tendo o futebol como
instrumento de alienação ante as mazelas sociais do país. Para os políticos e
empreiteiros, significava investimentos públicos em construção e ampliação de
estádios, em detrimento de demandas mais urgentes da população. Para João
Havelange, então presidente da antiga CBD, seria a chance de mostrar capacidade de
organização de grandes eventos e, já em campanha para a presidência da FIFA,
estreitar relações com federações de futebol mundo afora.
Na verdade, Havelange planejou uma copa do mundo fora de época, só que inflada em
número de participantes (20) e de jogos (44). Pensando na grandeza e qualidade
técnica do torneio, o mandatário do futebol brasileiro fez de tudo para garantir a
presença de todas as seleções campeãs do mundo, mas Alemanha, Itália e Inglaterra
recusaram o convite. Sem essas potências, o evento perdia em atratividade, como
ficaria comprovado pela baixa média de público, excetuando os jogos da Seleção
Brasileira. Restava à CBD se contentar com seleções do segundo escalão europeu e dos
países da América do Sul (50% dos participantes do torneio), além de dois combinados
representando a África e a América Central (Concacaf).
A fórmula de disputa previa uma fase preliminar com três chaves de cinco seleções,
avançando para a próxima fase apenas os primeiros colocados — no caso, Argentina,
Portugal e Iugoslávia —, que se juntariam, em dois grupos, às seleções já pré-
classificadas: além dos campeões mundiais Brasil e Uruguai, Tchecoslováquia, Escócia e
URSS, países convidados — sem critério algum, diga-se de passagem — no lugar das
seleções alemã, italiana e inglesa. Os vencedores de cada grupo fariam a finalíssima.
Alheia aos propósitos políticos da competição, a Seleção Brasileira se preparou para a
Minicopa como se fosse a copa do mundo. Com alguns veteranos e sem Pelé, que já
tinha dado adeus ao escrete e, desde então, rechaçado qualquer pedido de retorno, o
técnico Zagallo iniciou um processo de renovação, incluindo entre os convocados caras
novas como, entre outros, Vantuir, Marinho Peres e Leivinha. No entanto, com a bola
rolando, o Velho Lobo acabou escalando a base do time campeão no México: Leão; Zé Maria, Brito, Vantuir e Marco Antonio; Clodoaldo, Gerson e Rivellino; Jairzinho, Tostão e Paulo Cesar.
Em seu grupo, a Seleção estreou contra a Tchecoslováquia, decepcionando os 115 mil
presentes no Maracanã ao esbarrar na retranca adversária e na boa atuação do goleiro
Viktor, ficando no empate sem gols. No segundo jogo, contra a Iugoslávia, no Morumbi
com 74 mil espectadores, a atuação foi, talvez, a melhor na competição,
principalmente depois que Leivinha entrou no lugar do lesionado Paulo César, ainda no
primeiro tempo. O craque do Palmeiras deu melhor movimentação ao ataque e com
cinco minutos em campo marcou dois gols. No segundo tempo, com mais um de
Jairzinho, o Brasil fechou o placar em 3 a 0. Na última rodada do grupo, e de volta ao
Maracanã, diante de 80 mil pessoas, a Seleção enfrentou uma Escócia bem fechada,
que complicou bastante suas ações ofensivas. O gol salvador veio quase no final,
novamente com Jairzinho.
Vencedores dos seus grupos, Brasil e Portugal se viram frente a frente na decisão da
Minicopa, realizada num tarde do domingo do dia 09 de julho de 1972. Para se
classificar, a Seleção Portuguesa venceu todos os seus jogos na fase preliminar e, no
equilibrado grupo da segunda fase, superou Argentina e URSS e empatou com o
Uruguai. Tendo em campo Jaime Graça e o supercraque Euzébio como únicos
remanescentes da boa campanha na Copa de 1966, Portugal encarou o Brasil de igual
para igual, num jogo bem disputado, mas nervoso do primeiro ao último minuto. Quando tudo indicava que a decisão iria para a prorrogação, a dois minutos do apito
final, Rivellino cobrou falta, quase um mini escanteio, alçando a bola na pequena área
para Jairzinho, sempre ele, testar longe do alcance do goleiro José Henrique. Festa e
alívio geral no Maracanã. Brasil, campeão da Taça Independência, aquela que deveria
ter sido copa do mundo e acabou sendo uma minicopa dos trópicos.
Lembro-me vagamente desse torneio longo e complicado demais. O desinteresse do público foi marcante. Os organizadores distribuíam ingressos gratuitos até nas escolas e mesmo assim os estádios ficavam vazios. Só na fase final, quando o Brasil entrou, o Maracanã lotou. Há no youtube compactos de 50 minutos de todos os nossos jogos, salvo a final com Portugal, este o jogo completo. Nossa seleção jogou muito bem e mereceu ganhar. O sistema defensivo esteve perfeito, mas o ataque nem tanto. A ausência de Pelé resultou em redução imediata da média de gols que só foi restaurada anos depois com a entrada de Zico no time. Sem Pelé, Carlos Alberto e, logo, sem Clodoaldo, Tostão e Gérson, nossa seleção chegaria desfigurada ao mundial de 74.