por Rubens Lemos
Na escolha do melhor jogador do mundo em 2022, meu candidato perdeu, ficou em segundo lugar, acabou vice-campeão. O francês de origem argelina Karim Benzema(pronuncia-se Benzemá) fez por onde chegar ao topo. É um artilheiro com inteligência na cabeça e beleza no pé. Minha preferência estava destinada ao último dos quase brasileiros na prática: o senegalês Sadio Manè.
Sou fundamentalista na opção pelos criativos. Pelos desenhistas das jogadas que causam alegria ao torcedor. Sou fã do drible. O drible é o que há de mais bonito no jogo, quase empatado com o gol. Sadio Manè é um artista da finta curta, imprevisível, coreografia da superioridade inabalável de um homem sobre o outro.
Futebol-arte é o negro elegante, de toques rápidos, de domínio absoluto sobre volantes e zagueiros, espécies que proliferam tornando hostil o semblante do futebol.
Há quatro anos, quem me apresentou a Sadio Manè, durante uma viagem de trabalho jornalístico, foi o bom garoto Wdson Carvalho, vascaíno não igual a mim porque acredita, devotadamente, na ressurreição cruzmaltina.
Estávamos rodando o Estado em 2018(minha despedida da escravidão de campanha política em campo, período em que vivemos o purgatório em terra), Wdson dedilhando o celular quando surge na tela dele um camisa 10 do Liverpool parado diante do beque no lado direito da grande área adversária.
O cara põe a cintura para exibir a dança banta e, no átimo, corta o beque com a direita, servindo ao atacante que marca o gol dentro da área.
Sedução à primeira genialidade. Passei a acompanhar Sadio Manè e a me divertir com sua substância macunaímica, irreverente, moleque no tratamento à bola, escrava e lhe implorando carinhos. Sou de um tempo em que o futebol inglês se baseava, apenas, em bolas altas jogadas para centroavantes grandalhões.
Quem verticalizou o padrão bretão foi Michel Owen, chamado de Zico Inglês, autor de um dos mais belos gols da história das Copas do Mundo quando, em 1998, descarrilou metade da seleção argentina até chutar com categoria às redes.
Beckham era outro cobra, porém midiático em excesso. Sua beleza de 007 e sua forma esguia de manequim de shopping burguês, eram assuntos tratados com maior frequência do que seu jogo bonito.
Quando Sadio Manè passou a dominar o Liverpool, os amantes da pelada sofisticada encontraram o artista. É. Manè é um artista sem a monstruosidade plástica do Mané brasileiro, passarinho de todas as liberdades e bailes em laterais furiosos e aterrorizados.
Em Sadio(hoje no Bayern de Munique) e em Garrincha, o maneísmo é o movimento em favor da classe no gramado, da técnica em primeiro lugar com vinte casas decimais acima da grosseria majoritária seja no Brasil ou em Bangladesh. O soberbo de artimanhas sutis e fatais sempre será principal.
E Sadio Manè extrapola. Foge ao estereótipo antipático dos boleiros sem tanta graça e com milhões de euros no bolso. Atende aos fãs com carinho, a eles distribui material esportivo e souvenirs e, inigualável, pensa no sofrimento dos seus irmãos pátrios, asfixiados pela miséria e a indiferença dos “irmãos” de países ricos.
Do seu salário, Sadio Manè destina boa parte para a construção de escolas, hospitais e para o pagamento de assistência à saúde por médicos no Senegal, 34º mais pobre do mundo segundo levantamento do Fundo Monetário Internacional(FMI).
Benzema é um ótimo goleador e sua dupla com Mbappé, em tese, é a principal do planeta. Fortíssima na jornada dos franceses em busca do terceiro título mundial.
Se bem que a França, quando vai à Copa tocando a Marselhesa por antecipação, sobra, como no fracasso ululante de 2002, quando saiu na primeira fase sem fazer gols, com Zidane e os vencedores de 1998.
Na minha filosofia de espetáculo, sigo com Sadio Manè, menino paupérrimo e livre, gingando sobre outros garotos nos campos de areia, barro e lixo, herói por construir, da desgraça o sonho real do bailarino de repertório encantador. O homem puro, gerando quimeras de talento e dignidade humana.
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