por Rodrigo Octavio Souza
O dia 5 de julho de 1982 foi o primeiro em que me lembro de ter visto os meus pais chorando. Do alto dos meus cinco anos incompletos, sabia apenas que tinha a ver com a Copa do Mundo e com o “Canarinho”. Algo estranho para quem tinha se acostumado a viver em meio à euforia nos 20 dias anteriores.
A chuva de papel picado caía das janelas e inundava as ruas de Icaraí, onde eu morava, à medida que o genial escrete (ainda se usava essa palavra) do igualmente genial Telê Santana enchia as redes dos rivais de gols. E haja trabalho para os garis, afinal, foram 15 em cinco jogos.
Mas, de repente, o colorido das paredes pintadas e dos bandeirões pendurados de um lado ao outro da rua virou cinzas. A alegria e os gritos de gol transformaram-se em um nó na garganta. No máximo, em um pranto sentido e sofrido.
Sofremos pelos pés de um atacante que ficará mais de um ano suspenso, acusado de envolvimento com manipulação de resultados no “calcio”. Pela primeira vez na minha vida, ouvi a palavra “carrasco”. Palavra cujo sentido, descobri depois, é empregado em contextos muito piores. Mas que se aplicava perfeitamente ao que aconteceu naquele verão mediterrâneo.
Havia, e há, coisas piores no mundo. O próprio Brasil vivia o início da “década perdida”, nos estertores de um regime falido e atolado na hiperinflação e na dívida externa. Mas sob a ótica particular do futebol, que tudo vê com uma lente de aumento, o que se passou no Sarriá foi, sim, uma tragédia.
Como tal, ainda dói quando se remexe, em especial, nas efemérides como essa dos 37 anos da fatídica partida contra os italianos. Mas, contraditoriamente, tanto tempo depois da dramática peleja, posso dizer que o que aquele time me deixou mesmo é um enorme sentimento de orgulho e gratidão por ter me acendido a fagulha da paixão por esse esporte, tão divino quanto diabólico.
Para além do resultado, aquela equipe legou ao mundo o ideal do “jogo bonito”, que volta e meia é emulado por equipes como o histórico Barcelona de Guardiola do começo desta década. Aliás, sempre que pode, o treinador faz questão de falar do impacto que aquela seleção teve sobre o então menino catalão de 10 anos, na gênese do esquadrão blaugrana de Messi e no seu próprio conceito do jogo.
Quase tudo já foi dito ou escrito sobre aquela partida, mas o fato é que a Itália jogou melhor. Tirou os espaços, anulou nossos pontos fortes, fez o jogo perfeito.
Aliás, ninguém jogou mais bola do que a Azzurra na primeira quinzena de julho de 1982. Não tinham a magia brasileira, mas eram organizados e, sobretudo, excelentes tecnicamente. Só obediência tática não seria capaz de deter Zico, Sócrates e companhia.
Não ter ganho aquele Mundial deixa o coração dolorido, claro. Poucas não foram as vezes que, num exercício de imaginação, “vi” o Doutor erguer o caneco depois de botarmos na roda a ótima, mas exausta, Alemanha (olha ela aí!) de Rummenigge, Briegel e Magath. Jamais saberemos o que aconteceria com o futebol mundial caso o Brasil conquistasse a Copa. Nada garante que, ainda assim, não seria trilhado o caminho da cautela defensiva, que resultou no pífio Mundial de 90, coincidentemente disputado na Velha Bota.
A única certeza que eu tenho é que nunca mais vi meus pais chorando por causa de futebol desde aquele dia 5 de julho de 1982.
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