por Rubens Lemos
O Brasil decidiu a Copa América de 1989 contra o Uruguai num domingo, 16 de julho, data fatalista pela perda da Copa de 1950, no Maracanã da mesma decisão 49 anos depois. Bobagem. A Celeste ganhou com justiça. Não errou.
Meu pai, sertanejo nato, vascaíno ultrarradical, tomara antipatia do técnico Sebastião Lazaroni. Achava-o injusto.
Para perseguido político, quem vacila é pior que inimigo ideológico.
Meu pai decifrava, poetizava o Brasil de 1950, exaltava o Expresso da Vitória cruzmaltino da década de 1940. Barbosa, Augusto, Rafanelli; Eli, Danilo, Jorge; Maneca, Jair, Ademir, Ipojucã e Chico. Posso ter errado por um ou dois, não por muitos.
Em 1989, desfiava seu compêndio de palavrões tão logo Lazaroni barrou quem, para Rubens Manoel Lemos representava o romantismo e a imaginação perdidas para a mediocridade: Geovani Silva, meia-armador que chamava de regente, pela capacidade de comandar, alterar, organizar, decifrar e subverter a administração de um jogo baseado na classe que ele acompanhava, criança, em Ipojucã ou Jair.
Geovani era capitão do Vasco e homem de confiança do “Laza”, a quem deu um bicampeonato carioca com Roberto, Romário e Mazinho. Geovani fora o melhor das Olimpíadas de 1988 e, sua ausência na final(suspenso), custou o Ouro. Entrou Neto, Dadá Maravilha sem graça.
Brasil x Uruguai pela TV Manchete. Saem as escalações. João Saldanha reclama a ausência de Geovani. Márcio Guedes, comentarista, ousa chamar o craque de decadente. João Sem-Medo:
– Decadente é você, que nunca esteve no auge, Geovani é o melhor de todos.
O meu pai nem esperou a resposta(que não houve), de Márcio Guedes:
– Viva João Saldanha, Viva Geovani!
Apartamento lotado, claro, cerveja grátis é convite a amigos de ocasião, um deles gracejou, flamenguista que era:
– Rubão, Geovani é apenas um driblador…
Agradeço a Deus meu pai estar desarmado.
– Você sabe quem foi Manoel dos Santos? Sabe?
O sujeito pensou, pesquisou e murmurou, todos tensos na sala:
– Não lembro…
Rubão saltou da rede, acendeu o 30o cigarro e, calmamente, fuzilou:
– Se você não sabe quem foi Garrincha, perdoo pela ignorante inveja de Geovani.
– Não tenho inveja dele, insistiu o penetra.
– Tem e a inveja arrasa a alma, mesmo a de quem não tem, o que é o seu caso.
Ninguém bebia, ninguém fumava, ninguém traçava petisco, só o som da TV.
Chateado também pela ausência do ídolo, disse ao inconveniente:
– Vai esperar meu pai te expulsar no braço?
Ele foi embora, meu pai dormiu 90 minutos, Romário fez o gol do 1×0 final.
No dia seguinte perguntei o que ele achava. Rubão profetizou:
– A Copa América vai matar o Brasil na Copa do Mundo. Não existe time sem criador, lançador, craque. E ninguém pronuncia o nome de Lazaroni nesta casa!
No dia 4 de junho, fez 23 anos que o meu pai morreu. Firme em suas convicções. E não errou. Perdemos em 1990. Com Lazaroni e sem Geovani.
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