por Luiz Dias
Uma vez cheguei em casa com uma camisa do Santos, fruto do primeiro emprego.
O primeiro salário, me lembro bem, comprei um computador.
Depois vieram outros mimos. Aquelas tentativas infantis de compensar os desejos consumistas não atendidos na infância.
Em algum momento comprei a tal camisa.
Achava-a bonita.
Ainda acho.
Menino. Quem naquela fase de descobrir o amor ao futebol e de procurar um herói nas quatro linhas, nos jogos nos campinhos, reais ou nos imaginários, não sonhou ser Pelé?
Eu também sonhei.
Quando meu irmão José, Palmeirense, me viu com a camisa, percebi, olhou-me torto.
Nitidamente não gostara.
A opinião do meu irmão me era importante.
Do mesmo jeito que a camisa chegou. A camisa se foi.
[…]
Campeonato Brasileiro. Ano de 1983.
Grudado no radinho de pilha.
Tinha 13 anos.
Palmeiras precisava ganhar do Vasco para seguir adiante.
O jogo acaba.
Meu irmão chega do trabalho. Todo sujo de graxa por conta do ofício. Me pergunta quanto foi o jogo.
0 x 0.
Pensei que ele iria ficar chateado. Quase menti na hora dizendo que não tinha ouvido o jogo por falta de pilhas no rádio. Não queria eu ver meu irmão triste.
Meu irmão demonstrou não se importar. A mim, o interesse pelo resultado do jogo, soou apenas como curiosidade.
Seguiu para o seu quarto.
Eu esmurrei a parede e joguei a minha lata de linha longe.
[…]
Copa Mercosul. Ano 2000.
Palmeiras 3 x 0 no primeiro tempo.
Meu irmão em seu quarto vendo o jogo.
Quando o Tuta fez o terceiro, até saí de casa.
Segundo tempo, foi o que foi.
Voltei bem tarde pra casa.
Nem queria ver meu irmão.
[…]
Um dia, descendo a rua.
Vejo meu irmão no bar com os amigos.
Em seu corpo, a prova do crime.
Exibindo-se.
Meu irmão vestia uma camisa do Vasco.
Ainda que fosse a do time de basquete. Era do Vasco da Gama.
Descobri: meu irmão tinha dois times.
(Ainda sem entender o porquê, não fiquei triste).
Me lembrei da infância.
Do meu time de botão.
Do Dinamite fazendo cinco gols em um jogo fantástico contra o Corinthians.
O tempo passou.
Bastante tempo passou.
O tempo, ao mesmo tempo que passa, empurra. Arrasta. Afasta.
Meu irmão não está mais entre nós.
Lembrança que tenho dele, além da voz e da falta, é da sua camisa do Palmeiras. Do pôster no quarto, feito um diploma, do time de 1993 e daquela camisa do Vasco. Que me libertou.
Comecei a torcer pelo Palmeiras porque meu irmão era Palmeirense.
Aprendi a jogar futebol, porque meu irmão jogava futebol.
Meu irmão me deu de presente, o Amor pelo futebol.
A saudade hoje me faz ver, nitidamente, que se meu irmão tinha dois times.
Eu tinha três.
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