por Rubens Lemos
Quem era Flamengo trazia no bolso do coração a idolatria por Zico. Quem fosse Vasco, amava Roberto Dinamite. Os irredutíveis treinadores não quiseram que os dois jogassem juntos uma Copa do Mundo inteira sequer.
Em 1978, o técnico Cláudio Coutinho começou com Reinaldo e Zico e terminou com Jorge Mendonça e Roberto. Em 1982, Telê Santana tripudiou de Roberto Dinamite, humilhou-o de forma vil e bancou Serginho Chulapa, eleito melhor zagueiro da Copa da Espanha, pela incompetência ao atacar.
Pelé e Garrincha nunca perderam uma partida pela seleção brasileira estando em dobradinha. Zico e Roberto Dinamite também não, cara pálida. Atuaram 21 vezes com 16 vitórias e cinco empates. Os técnicos teimosos desprezavam a união da classe de Zico e do oportunismo de Roberto Dinamite. Emblemas nos 70 anos do Maracanã.
Pior: havia uma nefasta rivalidade entre a imprensa carioca com a paulista e os técnicos, Telê não foge à regra, procurava não desagradar a “crônica” de um ou de outro estádio. Zico fez dupla com Serginho Chulapa, Careca, Roberto Talismã do Sport Recife, Enéas, Neca e vamos parando por aí porque os demais representavam o subnitrato da mediocridade dos campos.
A rivalidade entre Vasco x Flamengo, Roberto Dinamite x Vasco, levava ao Ex-Maracanã públicos nunca inferiores a 100 mil pessoas. O maior entre todos, 174 mil em 1976, Flamengo 3×1. Os boys de hoje nunca verão nada semelhante, nem sombra nem sinal.
A mobilização de um Vasco x Flamengo começava uma semana antes, com nós, moleques, fazendo contorcionismos para sintonizar a Rádio Globo 1220. Zico levava uma vantagem considerável sobre Dinamite até meados dos anos 1980. Só jogava ao lado de craque. Era Andrade, Carpegiani, Adílio, Tita e os laterais-atacantes Leandro e Júnior.
O pobre Bob se acompanhava, coitado, de nulidades: Zandonaide, Amauri, Ticão, Brasinha, Toninho Vanuza, salvo exceções como Arthurzinho, Elói e Cláudio Adão. A partir da chegada de um menino baixinho e gordinho do Espírito Santo, o equilíbrio fez-se prática.
Geovani ocupava a meiúca na técnica, nos dribles, nas canetas e nos lançamentos longos à Gerson. Gerson do Tricampeonato em 1970, não esse, que é bonzinho, mas o Flamengo já quer transformar em Deus sem milagres.
Geovani conhecia o dialeto de Andrade, Adílio e do próprio Zico, impondo o dialeto do toque de bola, fazendo Roberto receber livre e fulminar goleiros.
Vamos nós, de novo, aos números: enquanto estiveram em campo, não existiu vantagem nem para Zico nem para Roberto Dinamite na disputa dos clássicos. São doze vitórias para cada um e 17 empates. Como se duas fitas métricas se igualassem na medição de um sentimento.
O Maracanã era dividido pelos dois em tempos de paz. Antes das camisas, o caráter dos artilheiros. Zico atravessava o campo e festejava perto de sua torcida. Roberto Dinamite, a mesma coisa, dedo em riste, rumo à bandeirinha de escanteio do lado direito do gramado.
São grandes amigos. Nunca brigaram. É notório o carinho recíproco. Zico vestiu a camisa do Vasco na despedida de Roberto Dinamite em 1993. E, do Vasco, recebeu quando parou a única placa homenageando-o pelo que representou acima de camisas.
Na seleção, se descobriam sem se ver. O posicionamento de Roberto Dinamite mudava de acordo com os movimentos de Zico, homem encarregado de municia-lo com toques cheios de efeito, deixando zagueiros e goleiros em desespero de pandeia. Roberto Dinamite recuava para abrir espaços ao Galinho do Flamengo entrar na área adversária costurando beques e estufando redes.
Zico e Roberto Dinamite, Roberto Dinamite e Zico, pode não ter sido para os catedráticos da mídia, a melhor dupla depois que Pelé e Tostão pararam. Problema deles. Roberto Dinamite e Zico, simetria inconsciente, vestiram a camisa amarela com leveza e raça, tão simples como uma pelada na praça.
Estraga-prazeres, os técnicos preferiam Renato Pé-Murcho e Careca, Serginho Chulapa e algum infeliz contrariado, Careca e Muller em 1986. Seria a canção derradeira de Zico e Roberto Dinamite. Zico machucado? Com Roberto, haveria a solidariedade malandra, do jogo pelos atalhos, de armadilha, da Tróia infalível contra os franceses que nos eliminaram.
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