por Zé Roberto Padilha
O dono de um Jetta não reconhecerá pelas ruas um metalúrgico que participou da construção da sua máquina. Já pagou por ela. E pronto. Mas quando o torcedor do Fluminense passa pela gente, de camisa e bandeira, e não reconhece quem ajudou a montar a sua máquina, dói na alma. A máquina da Volks é movida a gasolina. Um ex-atleta terá seu tanque de combustível para sempre movido a um aceno, uma gota de carinho. Para seguir em frente, não engasgar nas lembranças, não deverá ser abastecido por litros de ostracismo. Temos medo, sim, de virar uma lata velha. De sermos esquecidos.
Nenhum de nós, ex-atletas, pedimos para ser ídolo de alguém. Mas quando passamos a defender uma nação como a do Flamengo, um principado, como o tricolor, faixas, aplausos, atenção e reconhecimento nos são concedidos pelas ruas. Tão sinceras e apaixonadas são as manifestações, que elas permanecem impregnadas em nossa personalidade. Nos tornam seres frágeis, emotivos, especialmente quando são concedidas em palcos como o Maracanã, aquele templo sagrado que fecha uma cumplicidade, entre torcedores e jogadores, que fica colada a alma para o resto da vida.
Quando alcançamos um título, a medalha segue com a gente pra casa. Nós lembraremos sempre do nosso clube, das nossas conquistas. E os troféus ficam com o clube. Sua presença por lá é a prova maior de que fizemos parte da sua história. Quando se livram deles, os desprezam, seremos apenas aquele velho Chevete enferrujado, que tantas vezes nos levou para Cabo Frio, empilhado sobre um Opala, e este apoiado em uma Marajó, naquele enorme galpão abandonado em uma Avenida Brasil.
Há pouco mais de um ano, o telefone tocou do Parque Julio de Lamare, no Rio de Janeiro. Nosso professor, Andmar Andrade, responsável pelo projeto de saltos ornamentais de nossa secretaria de esportes, em meio aos trampolins e colchões nos doados no desmonte pela CBDA, disse que havia uma pilha de troféus encostada em um canto. E soube estarem sem destino. O seu olhar de atleta encontrou do outro lado da linha a cumplicidade de um outro atleta. Diferente do motorista do caminhão, dos operários da desconstrução. O que para eles era uma outra pilha, para nós era História.
Desde então, 45 troféus da nossa natação com cheiro de cloro impregnado de braçadas, de suor recolhido na fonte pelas águas frias das competições em mar aberto, com o ar rarefeito de um trampolim de 10 metros, se encontram protegidos por nós. Muitos quebrados pelo descaso, sem placas do pódio, de qual lugar nossos solitários heróis foram alcançar a sua glória. Esperamos um dia recuperá-los e devolvê-los. Não para se juntarem ao ferro velho e serem retorcidos, como os carros antigos, mas para ganharem o respeito dos seus clubes, dassua confederações e seus heróis reconhecidos. Em um país sem memória, para nós, ex-atletas, basta um cantinho na prateleira para seguirmos em frente, de cabeça erguida, dever cumprido, por caminhos que deveriam estar iluminados, não obscuros que apaguem nosso feitos, as nossas conquistas.
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