por Sergio Pugliese
Naquela noite Bebezão não dormiu, trocou o sono pelo choro compulsivo. Madrugada inesquecível, longa e dolorosa. A imagem da bola na trave e as expressões decepcionadas dos amigos martelavam impiedosamente sua mente. Era a chance de virar herói, mas os 151 quilos literalmente pesaram na precisão da finalização do shoot out, espécie de disputa de pênaltis em movimento usada nos torneios de Futebol 7.
— Não conseguia fazer as atividades que mais gostava e decidi emagrecer a qualquer custo — lembrou, emocionado.
E veio de Banha, goleiro adversário na fatídica partida, uma dica para Bebezão mudar de atitude. No fim do jogo, Piratas desclassificado, Banha, do Realeza Futebol Samba, ficou tão incomodado com o choro do jovem de 25 anos que se aproximou dele e indicou o Projeto Facão, programa de recondicionamento físico tocado pelo amigo Guido. Leandro Santos da Costa, hoje com 27 anos, nasceu no Hospital Italiano, no Grajaú, e desde então vem enfrentando o fantasma dos quilões a mais. A mãe, Dona Inês, já tentou de tudo: dietas rigorosas, nutricionistas, natação, futebol e terapia.
— A ansiedade me quebra. Quando brigo com a minha mãe, por exemplo, como descontroladamente — confessou.
Desde que perdeu o gol da classificação do Piratas, Bebezão sumiu do mapa. Ficou chateado pelo amigo Thiago, dentista e craque do time, que o incentivou a participar do shoot out. Determinado, ligou para o Projeto Facão e marcou o primeiro treino, no Grajaú. De cara, uma agradável surpresa: Guido Ferreira, o treinador, era o seu grande ídolo do Futebol 7, considerado um dos três melhores jogadores do Brasil. Em seguida, mais alegria: Ricardinho Ahmed, outro cracaço admirado por Bebezão, era aluno do projeto.
— Pensei que fosse um sonho! Eles me inspiram, me incentivam e me encarnam quando não cumpro as tarefas — contou, feliz da vida.
Guido emocionou-se com a história de Bebezão, cria do Morro do Andaraí, e o liberou do pagamento, com uma condição: dedicação total. Viraram pai e filho. Não é raro Guido vasculhar a mochila do aluno e encontrar pacotes de Bono e Goiabinha. Quando isso acontece, no final do treino Bebezão é vetado da pelada, vira árbitro e apita o jogo. Numa boa, sem ressentimentos. Em menos de um ano perdeu 24 quilos e no mês que vem iniciará uma nova série de treinamentos.
— Ele virou amigo da rapaziada e o levamos para festas. Assim fica mais fácil de controlá-lo — comentou Ricardinho.
Impossível não ser fisgado pela simpatia e o carisma de Bebezão. Aluno de Fisioterapia da Gama Filho, treina três vezes por semana no Projeto Facão e nos dias de folga sempre dá um jeito de encontrar-se com Guido, seu porto-seguro. Sonha ter a ginga de Ricardinho e o drible seco de Guido, batizado de Facão e pesadelo dos zagueiros Maurição do Cangaço, Kadu do Empréstimo e Leão.
— Pode anotar aí, eu ainda chego ao nível desses monstros — prometeu para Guilherme Careca Meireles, fotógrafo da coluna e especialista em facões, garfos e colheres.
No domingo passado, Bebezão deu mostras da nova fase. Liberado por Guido, jogou a pelada de confraternização do projeto, marcou três gols e pediu música, de Betinho Cantor, ídolo da galera: “O Rio de Janeiro tá maneiro, tá macio, o Rio é mundial..”. No terceiro, uma pintura, viu o goleiro Kayron adiantado e mandou por cima. Golaço! Emoção geral! Claro, buscou Guido na torcida e correu em sua direção.
O objetivo era saltar no colo do mestre, agradecer-lhe por tudo, mas Guido, precavido, amor à coluna, preferiu esquivar-se dos 127 quilos, proteger-se atrás da muralha de amigos e esperar Bebezão afinar mais um pouquinho para encarar de frente esse enorme gesto de amor.
Texto publicado originalmente no dia 9 de janeiro de 2014 na coluna A Pelada Como Ela É, do Jornal O Globo.
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