por André Felipe de Lima
Danilo Alvim, maior meio-campo da história do Vasco e um dos cérebros da magnífica seleção de 50, alertou: “Cláudio nunca poderia ficar fora do escrete. Era o melhor jogador do Brasil”. Pena que a opinião do craque vascaíno tenha sido ignorada por quem comandava a delegação brasileira e, sobretudo, pelo treinador Flávio Costa. O genial ponta-direita do Corinthians, até hoje o maior goleador da história do Alvinegro, com 305 gols [375 ao longo da carreira], teve de ouvir o “Maracanazo” de um rádio, enquanto uma sensação de impotência lhe consumia. Desejava muito estar no campo do Maracanã para ajudar a seleção brasileira a conquistar a Copa de 50.
Mais paradoxal do que estar fora da seleção para um craque como Cláudio foi a convocação do zagueiro Alfredo II, do Vasco, para compor a lista dos 22 de Flávio Costa, que até hoje não é perdoado pela imprensa e torcedores paulistas da velha guarda.
O baixinho Cláudio — tinha apenas 1,62m — impôs autoridade pela quantidade de gols que fazia: era chamado de “Gerente” pelos companheiros, pela liderança que exercia com a camisa 7. As centenas de gols e os 12 anos de Corinthians renderam-lhe um busto no Parque São Jorge. Brilhou no Timão em 549 jogos, conquistando 352 vitórias e 105 empates, como aponta Celso Unzelte, no Almanaque do Corinthians. Por causa do Cláudio, muitos filhos de torcedores do Corinthians que nasceram nos anos de 1950 foram batizados com o nome do ídolo.
Apesar de toda a história bonita no Parque São Jorge, Cláudio era santista. Nasceu em Santos, batizado Cláudio Christovam de Pinho, a 18 de julho de 1922. O seu clube de coração foi o primeiro da carreira. No Alvinegro praiano, começou, aos 17 anos, em 1940, contra o extinto SPR. O Santos venceu por 5 a 1 e o bicho foi de cem mil réis. Um massagista recomendou, em 1941, que profissionalizassem o talentoso Cláudio. No ano seguinte, quase foi para o Corinthians, indicado pelo zagueiro Agostinho, mas o Palestra Itália contratou-o primeiro.
O dia 20 de setembro de 1942 é emblemático para os palmeirenses por corresponder a data do primeiro jogo do vecchio Palestra com a sua nova marca: Sociedade Esportiva Palmeiras. O adversário, o São Paulo F.C., estava montando um dos melhores esquadrões da década. Seria uma parada duríssima. Mas o “novo” Palmeiras tinha um trunfo: o garoto Cláudio. “A jogada começou com um lançamento em profundidade. Entrei pelo bico da grande área e chutei cruzado no canto direito.”
O Pacaembu veio abaixo. Gol histórico, assinalado por um baixinho, que, não fosse a pouca idade e timidez, poderia ter trilhado uma longa e frutífera carreira no Parque Antarctica. Pior para o Palmeiras…
Após 11 gols em 33 jogos, muito tímido, bicho-do-mato, Cláudio, craque fundamental para o título estadual do Alviverde, em 1942, não se adaptou a balburdia da capital e voltou à pacata Santos, para o seu clube de coração. “Eu me sentia mal em uma cidade como São Paulo, mesmo ganhando um bom dinheiro. Eu era introvertido, me sentia sozinho.” Permaneceu na Vila Belmiro até 1945, quando finalmente, encontrou sua “casa”, no Parque São Jorge.
Exímio ponta-direita, Cláudio driblava curto e batia muito bem na bola, cobrando faltas ou executando cruzamentos precisos, muitos deles para Baltazar “Cabecinha de Ouro” concluir. Baltazar é, aliás, o segundo maior artilheiro do Timão, com 267 gols. Luizinho, o “Pequeno Polegar”, também era muito bem servido pelo companheiro. Os três formaram a trinca de craques mais famosa da história do Timão, quiçá do futebol paulista.
Embora Flávio Costa o tenha cortado do escrete de 50, Cláudio teve uma boa oportunidade para provar ao treinador que merecia a vaga. Foi um dos destaques da seleção campeã sul-americana, em 1949.
Disputou a primeira partida pelo Timão em 1945, contra o Palmeiras, e fez um gol olímpico que o consagrou na vitória de 1 a 0. No clássico entre os dois arqui-rivais, Cláudio marcou 24 gols no Alviverde. Contra o Santos, ele, Neco e Teleco são, até hoje, os corintianos que mais marcaram em jogos entre os dois clubes. Cada um fez 21 gols. Evidentemente que o maioral é Pelé, que meteu 50 vezes no balaio do time da Vila Belmiro.
O “Gerente” não teve problema para transitar entre os grandes clubes paulistas e jogou pelos quatro. Por falar em quatro, em quatro anos o Corinthians, sob a liderança de Cláudio, conquistou seis importantes títulos. Depois da magnífica seqüência vitoriosa, vieram os 23 anos de jejum. Coincidência? Acaso? Destino. A dupla Cláudio e Baltazar chegou e permaneceu no Parque São Jorge no mesmo período, de 1945 a 57. O Timão foi campeão do paulista em 1951 [a equipe marcou 103 gols no campeonato], 52 e 54 e venceu o torneio Rio-São Paulo de 1950, 53 e 54.
O último jogo do bravo “Gerente” pelo Corinthians foi na última rodada do Paulistão de 1957, realizada em 29 de dezembro, na derrota para o São Paulo por 3 a 1. Todo o sucesso que conquistara como jogador, atribuiu-o à esposa, Norma: “Minha esposa é a razão integral do meu sucesso. Como toda esposa fiel e dedicada, vive comigo minhas alegrias e igualmente participa das minhas jornadas adversas. Reconheço que entro em campo para vencer. Quando perco uma partida, não posso ficar alegre. Em minha casa, encontro toda solidariedade e o inestimável impulso para novas campanhas. A esposa na vida do jogador de futebol exerce papel fundamental. Vê agora porque sou feliz.”
Fim de linha nos gramados, Cláudio enveredou na carreira de treinador. Assumiu o cargo de técnico do Corinthians, em 1958, no lugar de Oswaldo Brandão, mas ficou apenas 14 meses no posto [hoje parece uma eternidade, mas na época, significava pouco tempo]. Saiu após rusgas com os dirigentes Vicente Matheus e Vadih Helou.
“Fiquei indeciso. Eu não admitia ter de jogar contra o Corinthians, enfrentando a minha torcida. Mas depois bateu aquela raiva pelo Matheus e pelo Vadih, que se dizia meu amigo, e aceitei o convite. Joguei duas vezes contra o Timão, ou melhor, contra o Matheus e o Vadih.”
Voltou à função de jogador, mas agora pelo São Paulo. Disputou duas partidas contra o Corinthians, mas, para ele, estava jogando para valer contra os dois desafetos. Na segunda partida, fez o primeiro gol da vitória de 4 a 1. Aos 38 anos, fez sua última apresentação, em 21 de abril de 1960, encerrando a carreira no São Paulo, ignorando os apelos dos cartolas do clube para que renovasse o contrato.
Depois de aposentado, foi morar em Santos e conquistou o título de campeão brasileiro de tamboréu, um esporte semelhante ao tênis disputado na Baixada Santista.
Quando ainda era jogador, mantinha um costume inusitado: ficava horas a fio chutando uma bola de tênis contra a parede de uma área próxima à sua casa, em Santos. A bola batia no paredão e voltava aos seus pés. Ele a dominava, matava no peito e a chutava novamente. Era assim que treinava nas horas de folga. Antes de dormir, não dispensava a leitura de um bom livro. “Fiz-me jogador porque, como artista, sempre amei o futebol. Desde que me conheço por gente, estive ligado à número 5. É uma paixão. Não me descuido, porém, da minha formação. Sentei em bancos escolares e não abraço o sono sem antes mastigar as páginas de bons livros.”
O cotidiano frugal do ídolo era seguido à risca. Às 6:30 estava de pé, às 14 horas, no IAPC, onde trabalhava na Seção de Arrecadação. À noite, dificilmente depois das 10 estava acordado. Após o jantar, um passeio com a família, uma ou outra visita aos pais e aos sogros, um cinema de vez em quando e a indispensável atenção aos dois filhos, Bento e Claudia. “São meus maiores amigos”, dizia o craque.
Um dos maiores nomes da história do futebol brasileiro trabalhou como lançador de impostos da Prefeitura de São Paulo e morreu no dia 1º de maio de 2000, em São Paulo, de problemas cardíacos. Três anos antes de sua morte, Cláudio, o “Gerente”, o “grande capitão” que nunca fumou ou consumiu bebida alcoólica, foi homenageado com um busto no Parque São Jorge. Nada mais justo para quem tanto fez pelo Timão. Nada mais justo para o melhor exemplo de ídolo que o Corinthians já teve em toda a sua história. Cláudio foi o craque padrão.
Para os muitos que nasceram na década de 1950 batizados com o nome “Cláudio”, a reverência ao ídolo é das mais justas, das mais impolutas. Mereceu a deferência o maior artilheiro da história do Corinthians, o “gerente” do time, o capitão Cláudio. Humildade na mesma equivalência da genialidade que ostentou em campo e que tanta alegria proporcionou aos torcedores. Cláudio não tinha ambição exagerada. Trabalhava dentro e fora dos gramados para ter o essencial à família. Um exemplo de ídolo raro nos dias atuais.
Obrigado pela resenha. VIVA GERENTE