Aos 17 anos, já no time principal do Fluminense, ela conta as dificuldades e gratificações na decolagem profissional
por Maria Clara Baroni e Ursula Villela
Maria Luiza Calazans de Faria tem 17 anos e já conquistou seu espaço no time de futebol profissional do Fluminense. Mas a história da jovem no esporte não é algo recente. Ela começou a jogar bola junto com a irmã gêmea, Duda Calazans, com apenas quatro anos de idade, em uma quadra na frente de sua antiga casa. A largada teve uma influência significativa do pai e do irmão, que haviam jogado profissionalmente, e da irmã mais, que até já foi convidada para jogar fora do país.
Apesar desse DNA, Maria Luiza enfrentou, como a maioria das jogadoras, preconceitos estruturais. Desde que o mundo é mundo, o gênero feminino encontra diversas dificuldades na busca da igualdade. No universo esportivo, não é diferente. Pelo contrário, a ideia de que o futebol é “coisa de menino” ainda está enraizada na sociedade. Assim, mesmo depois de escutar durante muito tempo opiniões machistas e preconceituosas sobre o desejo de se tornar jogadora, Luiza persistiu.
Aos 10 anos, encarou a primeira peneira e entrou para o Fluminense. A rede de apoio formada por familiares e amigos próximos ajuda a superar discriminações e os desafios para conciliar as rotinas esportiva, escolar, familiar, social.
Enquanto busca o amadurecimento técnico, tático e físico, a jovem atleta sonha, é claro, em “alcançar a seleção brasileira principal”, que busca o primeiro caneco mundial da Copa da Austrália e da Nova Zelândia, entre 20 julho e 20 de 20 julho. Ela também quer jogar no Lyon, da França, uma das referências mundiais em futebol feminino, com oito título da Liga dos Campeões, principal competição de clubes do mundo.
O sonho é embalado, aos poucos, pelo empenho nos treinos e pelos primeiros títulos: o Sul-Americano do ano passado, pela seleção brasileira sub-17 e o Brasileiro sub-19, pelo Fluminense, em 2020. O clube carioca foi seu primeiro e único que já jogou – está jogando há 6 anos no mesmo time. Há seis anos no clube carioca, ela aponta a melhor estrutura às atletas como uma das principais diferenças que marcaram a transição da base para a equipe profissional. Recém-promovida ao elenco que vai disputar a Série A1 nacional no próximo ano, ela conta, no papo reproduzido abaixo, a dureza de conjugar os estudos e os treinamentos, a perseverança que venceu a desconfiança alheia, a alegria de chegar à divisão de elite nacional. Também anima-se com os avanços do futebol feminino no país, mas reconhece a montanha de desigualdade ainda por superar.
Como era a rotina na base do futebol feminino tricolor?
O Fluminense tinha uma parceria com a Daminhas da Bola, iniciativa que apoiava o desenvolvimento educativo e prático do futebol feminino no Brasil. A gente estudava de manhã cedo e depois partia para o núcleo de treinamento das categorias de base do clube, em Xerém (município de Duque de Caxias). A maioria das meninas estudava em um colégio em Caxias. A gente saía da aula, esquentava a comida na escola, pegávamos o ônibus às 12h30 e chegávamos a Xerém por volta das 13h30. Começávamos a treinar às 14h. Quando o treino era nas Laranjeiras, saímos mais cedo da escola.
Como era estrutura esportiva, além dos treinos em campo?
Que desafios você encarou mais nesse tempo?
Quando comecei, não havia grande estrutura para a gente, como de fisioterapia, por exemplo. A preparação se concentrava no campo mesmo. Antes do treino, em Xerém, fazíamos academia, sem muitos recursos. Mas ajudava a gente um pouquinho. Hoje, no elenco profissional, a estrutura é muito diferente. Temos academia, nutrição, médico.
Bom, ano passado, quando ainda jogava pela base, foi muito difícil. Machuquei o joelho e tive que conciliar a escola, o treino e o tratamento. Era duro. Recebia todos os trabalhos online, não conseguia tirar dúvida com o professor. E ficar esse tempo sem jogar também me afetou muito.
Fora dificuldades de estrutura, muitas jogadoras enfrentam preconceitos e são desestimuladas a seguir adiante. Você enfrentou também esses obstáculos?
Com certeza. Muitas pessoas falaram para eu desistir. Diziam que eu não iria conseguir, Foi bem chato, mas a minha família sempre apoiou e correu atrás comigo. As pessoas que falaram essas coisas para a gente hoje em dia agem como se nada tivesse acontecido.
Como é o dia a dia agora que você treina no time profissional?
Treinamos a semana toda no CT do Fluminense mesmo. O treino começa às sete da manhã. Como moro na Zona Norte, acordo às cinco e pego um ônibus até lá. No campo, o treino vai até as 10h30. À tarde, temos academia a partir das 16h. Basicamente, é isso.
Quais são as principais diferenças na migração base para o profissional?
Na base, treinávamos no campo, a partir das 10h, toda segunda, quarta e sexta. Às terças e quintas, o trabalho era feito pela internet, via Zoom. Os técnicos nos mandavam os exercícios, e fazíamos de casa mesmo. Já no adulto, além de irmos todos os dias para o CT, vemos vídeos de jogos e treinos, e treinamos na academia em busca de uma performance cada vez melhor.
Que campeonatos você está disputando?
As competições estão quase todas no final. Chegamos à final do Campeonato Brasileiro A2, contra o RedBull Bragantino. Como tenho 17 anos, também disputo ainda os campeonatos de base ainda. Ficamos em terceiro no Brasileiro Sub-20. Em setembro, começa o Campeonato Carioca, tanto do Sub-2 quanto do adulto. E, em dezembro, temos a Copinha (um dos principais torneios de base do país).
O principal objetivo do time, chegar à série A1, foi alcançado, certo?
Sim. Era o nosso maior objetivo do ano: conseguir o acesso para a série A1. Desde o começo, nosso técnico colocou, na nossa cabeça, a ideia de que o time não podia ficar mais um ano na A2, de que tínhamos que subir para a série principal. Ver que essa meta se concretizou é muito gratificante para todas nós.
De todos os desafios que você enfrentou para se profissionalizar, qual foi o mais difícil?
Foi a lesão que sofri no ano passado, quando eu estava no auge. Rompi um ligamento do joelho. Foi muito difícil, mesmo com os apoios da minha família e do pessoal do Fluminense. Eu pensava: “Será que eu vou voltar bem?”. Ou “Mas e se não der certo?”. Graças a Deus, depois de longos nove meses, voltei muito bem.
O clube a acompanhou nesse período de recuperação?
Sim. Inclusive, quando eu soube do laudo oficial, a primeira pessoa com quem eu conversei lá foi a psicóloga. Recebi acompanhamento físico, psicológico, nutricional do clube até o fim do tratamento.
Apesar dos avanços recentes, as diferenças entre o futebol feminino e o futebol masculino ainda são enormes no Brasil. Na sua opinião, quais são as principais disparidades?
Acho que as principais disparidades são de investimento, visibilidade e infraestrutura. Ainda há muitas carências nesses pontos. Mas o futebol feminino vem crescendo, é inegável. Por exemplo, o Sportv vai transmitir a Copa do Mundo feminina. Isso é um passo muito grande. É muito difícil lidar com essa desigualdade, mas, ao mesmo tempo, é animador ver que mudanças estão acontecendo.
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Conteúdo produzido por estudantes da PUC-Rio, sob orientação do jornalista Alexandre Carauta, professor de Jornalismo Esportivo do Departamento de Comunicação da universidade.
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