por Zé Roberto Padilha
O esporte brasileiro vive das sobras. Sé há crise em Brasília, é o primeiro recurso que cortam por lá, e a contenção vai descendo os estados e chegam zeradas aos cofres dos municípios. Suas gestões são entregues a politizados meninos que, infelizmente, jogaram bola de gude no carpete. E levantaram suas pipas no ventilador. Como, então, alcançar o seu valor na formação do cidadão? Em busca das sobras, nossa secretaria de esportes desembarcou de caminhão na cidade do Rio de Janeiro, em maio de 2013, durante a derrubada do Parque Aquático Julio Delamare, que foi jogado ao chão como se nadássemos em centros de formação esportiva. Por lá, havia uma plataforma de saltos, uma piscina olímpica e uma bela pista de atletismo. Graças a um amigo, Roberto Gonçalves, uma vida dando saltos para salvar a sua modalidade esportiva, fomos buscar alguns trampolins, macarrões e colchões que seriam doados durante a demolição para nossos projetos similares em Três Rios.
Em meio ao carregamento, notamos o que o motorista, seus ajudantes e o encarregado da distribuição enxergaram, mas não sentiram: dezenas de troféus entulhados em um canto. Eram 42 no total, muitos estavam quebrados, mas eram lindos, imponentes, e certamente carregavam em suas plaquinhas a história do Djan Madruga, pelos sul americanos. Da Juliana Veloso, pelas plataformas dos jogos pan americanos. O que para eles eram entulhos, para nós, ex-atletas, era história. Frutos de uma saga de heróis que superaram o descaso de um país que trata o esporte como subproduto. Que se não tiver duas gêmeas bonitas no nada sincronizado não viram notícias. Se não tiver uma saltadora com uma bunda enorme não alcança a atenção da nossa mídia que o César Castro, nosso numero 1, merecia. Fora isto, imperceptíveis e inalcançáveis serão as condições para alcançarem qualquer medalha olímpica. Perguntamos, na ocasião, ao encarregado do Black Friday esportivo:
– Para onde vão levar aqueles troféus?
– Ninguém sabe ainda para onde vão! – respondeu.
Mas estavam com uma cara, e um empilhamento num canto, que certamente ganhariam um certo destino: a lata do lixo. Em um Brasil sem memória, em que outro lugar seriam encaminhados? Daí solicitamos, e nos foi consentido na ocasião, até com certo alívio, colocá-los no caminhão, transportá-los pela BR-040 e guardá-los em nossa secretaria de esportes em Três Rios.
Vivemos em um país que tem a maior reserva de água doce do mundo. O maior aqüífero, o Guarani, e o maior dos rios, o Amazonas. E das águas abundantes, sejam elas em mar aberto ou fechadas em piscinas curtas, rasas ou profundas, com braçadas, bolas ou remos, não retiramos uma só medalha. As razões para o fracasso são as mesmas observadas na Copa do Mundo: cartolas que comandam as confederaçõesnas tribunas, ex-atletas nas cabines de televisão. Quem não suou e desconhece os caminhos do sucesso, comanda. Quem os conhece e poderia ensiná-los as novas gerações, coloca o terno do SporTV, pega o microfone e comenta. O resultado vocês sabem, nenhum atleta que nadou, em todos os estilos ou sincronizado, saltou, remou ou jogou water pólo alcançou o pódio. Lá pisaram raras criaturas extraterrestres, atletas que escolheram para defender dois dos maiores símbolos de um país eternamente explorado: a luta, para se salvar, e o tiro, para se proteger das injustiças.
Particularmente, como atleta e disputando competições desde os 16 anos, sei que a medalha a gente leva para casa. Os troféus a agremiação e as entidades esportivas levam para a sede. Quando são descartados, não temos mais dúvidas do descaso que dão à nossa luta. Sabemos que muitas águas continuaram a passar por baixo das nossas pontes. Quando trazem um Ayrton Senna, autódromos e kartódromos proliferam pelo país. Quando surge um Gustavo Kuerten, as quadras de tênis são invadidas por várias gerações que terão no esporte um poderoso aliado, ao lado da educação, em suas vidas. Mas quando não mais surgem heróis no esporte, suas conquistas se aproximam de uma lata de lixo, outros caminhos lhe serão abertos. Muito deles distante do pódio em que alcançariam a plena cidadania.
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