por Péris RIbeiro
Foi um domingo de surpresas, aquele de 7 de julho de 1957. Tinha ido ao Maracanã para ver o campista Tite, escalado de saída na ponta-esquerda. Porém, o que acabei descobrindo foi uma dupla de crioulinhos que parecia jogar por música: Pelé e Moacir. Meu sonho era ver o Brasil humilhar a Argentina, aplicando-lhe um sonoro show, um autêntico banho de bola. Mas, encantado, tive mesmo foi de me curvar ante a arte inolvidável de Angel Amadeo Labruna.
Baixinho, bigodinho fino, como se cantor de “El Dia Que Me Quieras” e outros tangos de nomeada fosse, o camisa 10 do time platino mandou e desmandou naquele jogo inaugural da Copa Rocca. Imprimiu contra-ataques mortais, quando sentiu a defesa brasileira vulnerável. Desguarnecida. E ditou o ritmo daquele famoso “toco y me voy” – que sempre foi a nossa maior perdição -, no exato momento em que o bom senso dizia que, aqueles 2 a 1 para a Argentina, estavam pra lá de bom tamanho.
Naquela tarde de céu azul, sol radiante, o público de mais de 100 mil pessoas presentes ao estádio sonhava com uma forra dos 3 a 0. Placar sonoro com que os argentinos haviam nos humilhado no início do ano, na decisão do Sul-americano de Lima, lá no Peru. E o entusiasmo era até justificável, já que, 15 dias antes, o Brasil tinha levantado a Taça General Craveiro Lopes – presidente de Portugal -, com duas convincentes vitórias sobre o time luso: 3 a 0 em São Paulo; e 2 a 1 no Rio – gols dos campistas Tite e Didi.
Só que, após começar a pleno vapor, o time brasileiro tinha agora de ceder ao estilo cadenciado dos campeões da América do Sul. Uma cadência que começava nos gritos de guerra e passes sob medida do grande Nestor Rossi – um médio volante como poucos. Mas que só atingia o seu ápice, quando a bola chegava aos pés de Labruna.
Dono de um drible refinado com o pé esquerdo, em que se livrava do adversário como se nem mesmo saísse do lugar, o camisa 10 argentino sabia arquitetar um contra- ataque como ninguém. Ainda mais se partisse lá de trás com a bola dominada, em jogada individual. Ou então, se optasse pelas triangulações com Juarez, Herrera, Sanfilipo ou o infernal Corbatta, o ponta-direita.
No segundo tempo, com a entrada dos estreantes Pelé e Moacir, até que o Brasil deixou transparecer que ganhara ritmo de jogo, uma espécie de alma nova. E Pelé chegou a descontar para 2 a 1 – Corbatta e Juarez haviam feito Argentina 2 a 0, ainda no primeiro tempo. Mas, a partir dos 30 minutos, a ordem do comandante Labruna era simplesmente tocar a bola. O tão temido “toco y me voy”. E ponto final!
Três dias depois, com Luisinho, o Pequeno Polegar do Corinthians, em estado de graça, o Brasil obteve a tão almejada forra no Pacaembu: 2 a 0, gols de Pelé e Mazzola. E foi com aquele resultado, que conseguiu sair campeão da Copa Rocca, no saldo de gols.
Mesmo assim, para os meus olhos de garoto apaixonado pela magia do artista da bola, o que ainda contava era o que o genial Labruna havia aprontado no Maracanã. E dizer que, naquele mês de julho de 1957, ele chegava aos 39 anos de idade jogando aquilo tudo!
Recordista de conquistas e de longevidade nos campos, Don Angel Amadeo Labruna, na verdade, só parou aos 42 anos. Com a marca de 296 gols, em 512 partidas oficiais pelo River Plate. Além do mais, sagrou-se tricampeão sul-americano com a sua amada Argentina, sendo nove vezes campeão com o River – fazendo parte, inclusive, da mais que temida “La Maquina” dos Anos 1940.
Aliás, “La Maquina” deu ao River nada menos de cinco títulos nacionais -1941, 42,44,45 e 47. E, nela, o brilho começava com o gigantesco Carrizo no gol, passando pela imponência de Nestor Rossi no meio-de-campo. Porém, a culminância a nível de arte se refletia mesmo era no ataque – deveras, arrasador: Muñoz, Moreno, Pedernera, Labruna e Lostau. Com Di Stefano, então reserva de Pedernera, se contentando em entrar, apenas, em alguns jogos.
Milongueiro típico, chegado aos cassinos, noitadas regadas a tangos no mas puro estilo Carlos Gardel e um entusiasmado amante dos bons vinhos, o outro ponto fraco do velho Labruna eram as corridas nos hipódromos de Palermo e San Isidro. A ponto de trocar um jogo do seu amado River Plate – pelo qual ainda foi seu o seu técnico campeão, em 1975, revelando craques como o meia-armador Beto Alonso, o zagueiro Daniel Passarela e o goleiro Ubaldo Fillol – por um atraente programa turfístico.
E foi como milongueiro, turfista e uma instituição à parte dentro do próprio River Plate, que a morte veio buscá-lo, numa noite de 1983. O enfarte foi fulminante, já dentro do hospital. E a acompanhá-lo naquele instante, como que numa espécie de derradeiro adeus do River, estava o goleiro Fillol. Um grato afilhado que fora visitá-lo, e que tinha por ele venerações de um filho pelo próprio pai.
Genial sempre, Labruna acabou deixando várias frases históricas, pensamentos folclóricos. Mas uma análise, em especial, resume bem como ele enxergava as várias tendências e estilos dentro do futebol:
– Ora, a cadência é que dita o ritmo do jogo. Para se vencer, há que se ter, sempre, o domínio da jogada. Então, é como eu digo: “Toco y me voy!”, “Toco y me voy !”
Texto lindo, lírico sobre um gênio da bola que, se não inspirou, teve em Didi um dos melhores discípulos.
Memória excelente. Meu amigo. Parabéns.
Excente texto.
Gostei muito da reportagem, Tio Perinho. Não sabia o que era milongueiro, primeiramente. Quantos anos o senhor tinha naquela ocasião, em 1957? Foste sozinho ou com parentes? Ou amigos?
Esse jogador por nome Tite, conterrâneo da terrinha, certamente não é o técnico da seleção né? Não o conhecia.
Gostei do “toco y me voy” hahaha! Espero que essa lacuna seja bem explorada pelos técnicos de hoje em dia, para que tal ponto fraco seja mitigado.
Gostei muito também da descrição do dia ensolarado. O senhor escrevendo é grande deleite, me recorda um escritor que gosto bastante, que é o sul-africano J.R.R. Tolkien.
Achei legal também o fato de ele ter jogado até os 42 anos. Li recentemente que o atual jogador mais velho do mundo, em atividade, é o Robert Carmona, do Uruguai, com 60 anos.
Beijos grandes e forte abraço.