por Otavio Leite
Brasil 2 x 0 União Soviética – 1958
Protagonistas: Pelé, Garrincha, Vavá, Didi, Lev Yashin e Igor Netto
Um adolescente infantilizado e um driblador irresponsável.
Dá para ganhar a Copa do Mundo apostando nessa dupla?
O técnico Vicente Feola é claro: a resposta é não.
Já os mais experientes do time, Didi, Nilton Santos e Bellini veem de maneira diferente.
É hora de ousar. De apostar no improvável, no inimaginável, naquilo que os europeus jamais conseguiriam prever e evitar.
É a hora de Pelé e Garrincha.
O adversário, a União Soviética, é a antítese de tudo isso.
Disciplinados, fisicamente preparados como superatletas e com uma abordagem científica do jogo que promete anular qualquer traço de improviso.
Um embate de estilos.
No gol, o grande Lev Yashin, o Aranha Negra, imponente e gelado, sempre de preto. A figura já intimida.
Às 19h, no estádio Ullevi, em Gotemburgo, os soviéticos dão a saída.
O capitão Igor Netto, com sua aparência de agente da KGB, recebe de Ivanov e rola para Kuznetzov. O lateral dá passe longo para Iliyn que tenta forçar a jogada pela esquerda.
É o último momento de paz para a União Soviética.
De Sordi, sem qualquer trabalho, toma a bola e serve Zito – outro que entra no time para nunca mais sair. A bola vai a Didi, que lança Garrincha.
Com uma balançada de corpo, Kuznetzov fica para trás e Mané já está na área. Prefere o chute sem ângulo em vez do cruzamento para Pelé e Vavá que fecham na área.
Mas, de Garrincha, nunca se espera o óbvio. A bola explode na trave e sai.
Os soviéticos se assustam.
No lance seguinte, Mané repete a jogada, mas serve Pelé. O Pequeno Príncipe solta a bomba. Trave outra vez.
Os soviéticos estão atônitos.
Ainda grogues pelos dois golpes, veem a bola chegar aos pés envenenados de Didi.
Cercado por Ivanov e Tsaryov e vigiado por Kesarev, o homem dos passes impossíveis faz com que a bola desfira uma trajetória embriagada que contraria qualquer lei física.
O passe com o lado de fora do pé direito, de curva, põe a bola por trás de seus marcadores e à frente de Vavá, que penetra pelo meio da área.
O artilheiro vascaíno controla de canhota e solta a bomba de pé direito na saída de Yashin. Golaço.
Com apenas três minutos de jogo!
Os soviéticos agora estão apavorados.
Não há resposta científica aos dribles de Garrincha, às arrancadas de Pelé ou aos passes de Didi.
Kuznetzov já não está mais sozinho diante de Mané. Tsaryov e Krijevski correm para ajudá-lo cada vez que a bola chega ao Anjo das Pernas Tortas.
Os soviéticos buscam o empate com Ivanov, que recebe de Voinov na entrada da área e bate seco para a defesa segura de Gylmar.
Com a vantagem, Didi, Zito e Zagallo “escondem a bola” com trocas de passes, esperando os espaços para buscar o trio ofensivo.
O segundo tempo começa com a bola nos pés de Pelé. Toque curto para Vavá e o recuo até Orlando. Novo lançamento para Garrincha. Mais desespero para a zaga soviética.
O domínio é total, mas o segundo gol não sai.
Aos 12 minutos, Didi dá meia-lua em Ivanov e levanta para Pelé, que tabela de cabeça com Vavá. Após quatro toques sem deixar a bola cair, o Leão da Copa domina na pequena área mas é abafado por Yashin.
Outra vez Garrincha desmonta a zaga soviética pela direita. O cruzamento chega até Zagallo, que bate mascado para nova defesa de Yashin.
Aos 32, De Sordi cobra falta para a área adversária. Pelé domina e busca a tabela com Vavá. A dupla envolve Tsaryov e Krijevski com toques rápidos e a bola fica dividida entre Vavá e Kesarev.
O brasileiro chega uma fração de segundo antes e desvia de Yashin para marcar o segundo gol.
Só não consegue se proteger da duríssima entrada de Kesarev, que crava as travas da chuteira na canela do atacante vascaíno.
Uma pancada tão forte que tira Vavá da partida seguinte, contra País de Gales.
O golaço não é apenas o ato final de jogo de Copa do Mundo. É o início de uma nova era no esporte.
A Era dos Supercraques.
Garrincha, Didi, Nilton Santos…
E do Rei do Futebol!
Antes de Pelé, ninguém no esporte jamais recebera um título de nobreza.
Aquela noite no dia 15 de junho de 1958 pôs o Brasil no mapa e mudou para sempre a história do futebol mundial.
Ficha do Jogo
Brasil 2 x 0 União Soviética
Estádio Ullevi – Gotemburgo – 15/6/1958
Público: 51.000
Árbitro: Guigue (FRA)
Gols: Vavá (3 e 77)
BRASIL: Gylmar, De Sordi, Bellini (c), Orlando e N.Santos, Zito, Didi e Pelé, Garrincha, Vává e Zagalo. TEC: Vicente Feola
URSS: Yashin, Kesarev, Krijevski, Tsaryov e Kuznetsov, Voinov, A.Ivanov e V.Ivanov, Simonian, Netto (c) e Ilyin. TEC: Gavril Kachalin
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