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JOGO DE DESPEDIDA

10 / novembro / 2016

por Zé Roberto Padilha


Existem duas razões para que um ex-atleta realize seu jogo de despedida: a primeira parte da imprensa, dos clubes e das federações que querem homenagear uma lenda que encha o Maracanã e atraia patrocinadores. A outra é organizada pelo próprio atleta que precisa fazer um caixa, rever os amigos e ser lembrado diante do terrível ostracismo. Sendo um ex-atleta que preenchia a opção B, tratei eu mesmo de organizar a partida. Já que não fui uma lenda, traria a minha cidade as duas maiores com que joguei: Zico x Rivelino.

Após um ano negociando a data na agenda dos dois, em uma quarta-feira à noite do ano de 1996,  no Estádio Odair Gama, em Três Rios, me despedi oficialmente do futebol em uma inesquecível partida entre o Máster do Flamengo, com Zico, e meus amigos da casa mais o Rivelino com a camisa 10. Mas como quem organiza não se diverte, passei o dia fazendo contas com minha esposa: vendemos antecipadamente a metade da bilheteria, dois mil ingressos, e pagamos a passagem aérea e a hospedagem do Riva e do seu filho, a arbitragem, as camisas e o ônibus que trouxe a delegação do Flamengo. O cachê do elenco rubro-negro pagaria com os ingressos vendidos na hora. Só que o mundo resolveu desabar sobre minha cidade ao entardecer. Parecia que nenhuma gota de todas as chuvas queria estar ausente  ao duelo entre duas genialidades do nosso futebol.


Da esquerda para a direita, em pé: Félix, Toninho Baiano, Edinho, Silveira, Zé Mário e Marco Antonio. Agachados: Gil, Kleber, Manfrini, Rivellino e Zé Roberto

Certamente me despedi com uma discreta atuação ao correr todo o primeiro tempo de olho na bilheteria. A cada passe enxergava não um companheiro desmarcado, mas a minha esposa encharcada e preocupada do lado de fora em busca de torcedores que cancelaram suas vindas. De toda a região havia promessa de muitas excursões. Precisávamos de, aproximadamente, três mil reais (ou seria cruzeiros?) e só fora vendido quinhentos. Como pagaria os jogadores do Flamengo?

Saí no intervalo substituindo-me por razões técnicas e financeiras e o Flamengo já vencia por 6×0. Rivelino, que nunca soube perder graças a Deus, não me poupava: “tudo bem se despedir com seus amigos, mas não diante de um meio campo formado por Andrade, Adílio, Júnior e Zico e com Claudio Adão e Júlio César mais à frente!”. A partida acabou 9×1. Com a cabeça quente e o bolso vazio, consegui da presidência do Entrerriense FC um empréstimo que nem sabia como, e quando, pagaria.



Bem, entrei após a partida nos vestiários para pagar o honrar o compromisso. E Zico disse perante todos eles que não era preciso. Era um presente. Havia cobrado um cachê maior no amistoso anterior para que todos ali pudessem homenagear um ex-companheiro. Mesmo tendo jogado ao lado do camisa 10 durante uma temporada na Gávea, passei a conhecer naquela noite o cidadão Arthur Antunes Coimbra. Só ele seria capaz de fazer algo parecido diante do cada um por si de uma difícil e competitiva profissão. Saí de lá tão feliz que, após devolver o empréstimo ao clube, comprei com a sobra uma TV Sony 29, o sonho de consumo da ocasião. Duas décadas depois, mesmo pesando uma tonelada diante das telas planas e magrinhas que enfeitam a casa, recorro a ela quando as notícias são ruins e desanimadoras. Suas imagens, carregadas dos valores éticos e morais que a trouxeram para casa, revelam mais que lembranças de uma partida, mas a certeza de que enquanto houver pessoas como ele, Zico, haverá esperança de vivermos em um mundo melhor e mais justo. Dentro e fora das quatro linhas.

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