por Zé Roberto Padilha
Existem duas razões para que um ex-atleta realize seu jogo de despedida: a primeira parte da imprensa, dos clubes e das federações que querem homenagear uma lenda que encha o Maracanã e atraia patrocinadores. A outra é organizada pelo próprio atleta que precisa fazer um caixa, rever os amigos e ser lembrado diante do terrível ostracismo. Sendo um ex-atleta que preenchia a opção B, tratei eu mesmo de organizar a partida. Já que não fui uma lenda, traria a minha cidade as duas maiores com que joguei: Zico x Rivelino.
Após um ano negociando a data na agenda dos dois, em uma quarta-feira à noite do ano de 1996, no Estádio Odair Gama, em Três Rios, me despedi oficialmente do futebol em uma inesquecível partida entre o Máster do Flamengo, com Zico, e meus amigos da casa mais o Rivelino com a camisa 10. Mas como quem organiza não se diverte, passei o dia fazendo contas com minha esposa: vendemos antecipadamente a metade da bilheteria, dois mil ingressos, e pagamos a passagem aérea e a hospedagem do Riva e do seu filho, a arbitragem, as camisas e o ônibus que trouxe a delegação do Flamengo. O cachê do elenco rubro-negro pagaria com os ingressos vendidos na hora. Só que o mundo resolveu desabar sobre minha cidade ao entardecer. Parecia que nenhuma gota de todas as chuvas queria estar ausente ao duelo entre duas genialidades do nosso futebol.
Certamente me despedi com uma discreta atuação ao correr todo o primeiro tempo de olho na bilheteria. A cada passe enxergava não um companheiro desmarcado, mas a minha esposa encharcada e preocupada do lado de fora em busca de torcedores que cancelaram suas vindas. De toda a região havia promessa de muitas excursões. Precisávamos de, aproximadamente, três mil reais (ou seria cruzeiros?) e só fora vendido quinhentos. Como pagaria os jogadores do Flamengo?
Saí no intervalo substituindo-me por razões técnicas e financeiras e o Flamengo já vencia por 6×0. Rivelino, que nunca soube perder graças a Deus, não me poupava: “tudo bem se despedir com seus amigos, mas não diante de um meio campo formado por Andrade, Adílio, Júnior e Zico e com Claudio Adão e Júlio César mais à frente!”. A partida acabou 9×1. Com a cabeça quente e o bolso vazio, consegui da presidência do Entrerriense FC um empréstimo que nem sabia como, e quando, pagaria.
Bem, entrei após a partida nos vestiários para pagar o honrar o compromisso. E Zico disse perante todos eles que não era preciso. Era um presente. Havia cobrado um cachê maior no amistoso anterior para que todos ali pudessem homenagear um ex-companheiro. Mesmo tendo jogado ao lado do camisa 10 durante uma temporada na Gávea, passei a conhecer naquela noite o cidadão Arthur Antunes Coimbra. Só ele seria capaz de fazer algo parecido diante do cada um por si de uma difícil e competitiva profissão. Saí de lá tão feliz que, após devolver o empréstimo ao clube, comprei com a sobra uma TV Sony 29, o sonho de consumo da ocasião. Duas décadas depois, mesmo pesando uma tonelada diante das telas planas e magrinhas que enfeitam a casa, recorro a ela quando as notícias são ruins e desanimadoras. Suas imagens, carregadas dos valores éticos e morais que a trouxeram para casa, revelam mais que lembranças de uma partida, mas a certeza de que enquanto houver pessoas como ele, Zico, haverá esperança de vivermos em um mundo melhor e mais justo. Dentro e fora das quatro linhas.
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