por Guilherme Guarche, do Centro de Memória do Santos
Sim. Joel Camargo com justiça deve ser considerado campeão mundial, não só por ter feito parte do elenco da Seleção Brasileira, mas, principalmente, por ter sido o quarto-zagueiro titular nas seis partidas das Eliminatórias do Mundial do México, em 1970.
O técnico do Escrete Nacional, João Saldanha – o João sem medo – considerava Joel Camargo o melhor quarto-zagueiro do mundo e reprovava publicamente o técnico do Alvinegro, Antônio Fernandes, o Antoninho, que escalava Djalma Dias na zaga santista.
Filho de Lourdes Camargo e Antônio Camargo, Joel nasceu em uma quarta-feira, 18 de setembro, feriado nacional naquele remoto ano de 1946, data em que o presidente Eurico Gaspar Dutra promulgou a Constituição Brasileira daquele ano.
O menino começou no futebol no XV de Novembro, time amador do bairro do Marapé, onde sua família residia. Antes, já chamava a atenção pelo estilo clássico e sério que tinha ao jogar com os outros garotos da rua Antônio Bento de Amorim.
Foi o técnico da base da Portuguesa Santista, Arnaldo de Oliveira, o popular Papa, o maior revelador de talentos na cidade, que levou Joel, então um garoto de 13 anos, para treinar na “Mais Briosa”.
Dentre os jogadores revelados pelo mal humorado técnico Papa estão Gylmar, Feijó, Álvaro, Ramiro e Pagão. Todos começaram com ele no Jabaquara. Na Portuguesa Santista lançou os craques Cláudio, Adelson, Capitão, Lorico, Joel Camargo e Osmar.
Foi o futebol vistoso de Joel que atraiu os olhares dos dirigentes do Peixe e fizeram com que o destaque da Portuguesa Santista, e esperança do treinador Joaquim Feliz atravessasse o canal da avenida Pinheiro Machado em setembro de 1963, e fizesse da Vila Belmiro a sua nova casa.
Zagueiro forte e alto (1,83m), que por sua habilidade também se destacava como médio-volante, Joel tinha o hábito de sair da defesa de cabeça erguida, abrindo os cotovelos, que se tornavam como duas alças lhe para lhe dar mais equilíbrio, razão pela qual ganhou a alcunha de “Açucareiro”. Na Vila Belmiro era chamado pelos colegas de “Gogo”.
No Santos teve que disputar posição, a princípio ,com o gaúcho Calvet e com o carioca Haroldo, o “Sombra”, e depois com Emerson Marçal, vindo da Portuguesinha. Sua estreia na equipe profissional ocorreu em 1º de setembro de 1963, um domingo, em Araraquara, diante da Ferroviária. Joel tinha exatos 16 anos, 11 meses e 14 dias, tornando-se um dos jogadores mais jovens a vestir a camisa santista.
Nessa partida, válida pelo Campeonato Paulista, no Estádio Fonte Luminosa, o Santos foi derrotado por 4 a 1, com Pelé marcando o tento santista. O time foi escalado pelo técnico Luiz Alonso Perez, o Lula, com Gylmar, Dalmo, Joel Camargo e Geraldino; Calvet e Zito; Dorval, Lima, Coutinho, Pelé e Rossi.
Pouco a pouco Joel Camargo foi ganhando espaço na defesa da equipe titular do Alvinegro. Tanto o ataque como o sistema defensivo santista passaram a ser enaltecidos pela imprensa e pelos torcedores, satisfeitos por ter uma equipe tão coesa e forte como era o grande Santos nos anos 1960.
Uma curiosidade da forte equipe do Peixe era que Joel Camargo era o único afrodescendente que formava na retaguarda, ao contrário do setor ofensivo ,que contava em sua maioria com atacantes negros.
A decepção com Zagallo
Nas Eliminatórias da Copa de 1970 toda a defesa titular das “Feras do Saldanha”, como era chamado o Selecionado Nacional, era composta por santistas: Carlos Alberto Torres, Djalma Dias, Joel Camargo e Rildo. Além dos atacantes alvinegros Pelé e Edu.
Na defensiva praiana havia ainda o excepcional argentino Ramos Delgado, que afirmava ser Joel Camargo o seu parceiro preferido para formar a dupla na zaga santista.
A qualidade dos jogadores de defesa do Santos criava, às vezes, uma situação insólita: Joel era titular na Seleção Nacional e reserva no Santos, pois o técnico Antoninho confiava mais no futebol de Djalma Dias.
Um momento que muito o entristeceu e que não gostava de lembrar ocorreu quando João Saldanha foi substituído por Mario Jorge Zagallo e o novo técnico da Seleção decidiu escalar Wilson Piazza, que era médio-volante, para a quarta-zaga, ocupando o lugar que seria de Joel nas partidas da Copa do Mundo, no México.
Desiludido por não ter jogado a fase final da Copa no México, o jovem de 23 anos viu de fora o Brasil ser Tricampeão Mundial, ganhou o mesmo prêmio dado aos jogadores titulares e adquiriu um possante Chevrolet Opala.
Antes tivesse investido a premiação do Mundial não na compra do automóvel, pois o veículo foi o causador de sua decadência no mundo da bola. O craque foi o protagonista de um grave acidente automobilístico nas ruas de Santos.
Sua última apresentação pelo time da Vila Belmiro foi no dia 21 de novembro de 1970, no Campeonato Brasileiro, em partida disputada no Parque Antártica, em São Paulo, no empate sem gols diante do América Carioca.
Com a camisa do Alvinegro ele jogou 304 partidas e marcou cinco gols entre os anos de 1963 e 1970. Enquanto esteve atuando no Peixe, o craque jogou pela Seleção Brasileira em 36 partidas.
Títulos conquistados no Santos
1964 – Campeonato Paulista, Campeonato Brasileiro e Torneio Rio-São Paulo.
1965 – Campeonato Paulista e Campeonato Brasileiro.
1966 – Torneio Rio-São Paulo.
1967 – Campeonato Paulista.
1968 – Campeonato Paulista, Campeonato Brasileiro, Recopa Sul-Americana e Recopa Mundial.
1969 – Campeonato Paulista.
Em um PSG sem brilho
Depois do acidente com seu Opala, Joel teve o contrato rescindido com o Santos, acabou deixando o clube e se tornou o primeiro brasileiro a jogar no PSG da França. Na época o PSG era apenas mediano, o oposto do time badalado que é hoje, onde atua o Menino da Vila Neymar Jr.
A impaciência e a má vontade demonstrada por Joel no time de cores azul e vermelha irritaram os dirigentes franceses e lá o grande zagueiro jogou apenas duas partidas.
De volta ao Brasil, atuou pelo CRB, de Alagoas, e o Saad EC, de São Caetano do Sul. Mas seu futebol não era mais o mesmo que fez com que ele se tornasse um dos mais importantes zagueiros do Alvinegro Praiano.
Depois de se afastar dos gramados, Joel Camargo nunca mais procurou os antigos companheiros do time santista. Sua difícil situação financeira o obrigou a se desfazer de duas casas lotéricas e a vender também a medalha conquistada na campanha do Tricampeonato Mundial de 1970.
Assim como era praxe no Porto de Santos dar emprego aos ex-jogadores santistas, ele foi mais um que durante 20 anos trabalhou no cais do porto como trabalhador avulso e lá na estiva se aposentou aos 55 anos de idade.
Deu aulas em uma escolinha de futebol em Santos, e na Prefeitura de São Paulo, evitando a imprensa e se mantendo no anonimato.
O zagueiro que foi importante para o Brasil ter em definitivo a taça Jules Rimet, faleceu em Santos, sua terra natal, no dia 23 de maio de 2014, aos 67 anos, vítima de insuficiência renal provocada pela diabetes que mutilou uma parte de seu corpo no ano anterior ao seu óbito
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