João Saldanha começava seus comentários com seu tradicional “Meus Amigos…”. Era o comentarista que o Brasil inteiro consagrou. O ‘João Sem Medo’ – apelido dado por ninguém menos que Nelson Rodrigues.
Nas Eliminatórias para a Copa de 70, ele inovou, para surpresa dos jornalistas. Tirou do bolso um papel e, de cara, escalou um a um seus titulares: Félix; Carlos Alberto Torres, Brito, Djalma Dias e Rildo; Piazza, Gerson e Dirceu Lopes; Jairzinho, Tostão e Pelé. Oito deles seriam mesmo titulares no Mundial do México, porém, sob o comando de Zagallo.
– Meu time são 11 feras! – alegou. Eram mesmo. ‘As Feras do Saldanha’.
Emílio Garrastazu Médici, o mais tirano dos ditadores, gostava de futebol. Prisões, torturas e assassinatos se avolumavam, mas o Presidente da República costumava aparecer sorridente no Maracanã, com um radinho de pilha no ouvido. Confesso que era no mínimo estranho ver o carismático, valente e assumido comunista dirigindo a seleção em plena terra de generais.
Médici declarou que gostaria de ver o folclórico artilheiro Dadá Maravilha, o ‘Dario Peito de Aço’, convocado.
– Ele escala o Ministério dele, e eu a minha seleção! – bradou Saldanha, fulo da vida.
Duas semanas depois, estava demitido.
Luiz Mendes me disse que pegou João em casa no dia em que ele atirou no goleiro Manga, durante o jantar da comemoração do título carioca de 1967, conquistado pelo seu Botafogo sobre o Bangu de Castor de Andrade. No trajeto, entre Copacabana e o Mourisco Saldanha disse:
– Luiz, estão preparando uma tocaia pra mim. Não se meta. Briga minha é de talho, não de corte.
Édson Mauro, o ‘Locutor Bom de Bola’, me conta uma boa:
– Nos anos 70 João me disse que estava solteiro: ‘Não quero mulher me enchendo o saco. Separei de novo.’
Perto do fim do ano, Édson perguntou onde ele passaria o Natal.
– Sei lá.
– Quer ir comigo para Maceió?
– Vou, sim.
Nas praias e caminhando pelas ruas da capital de Alagoas, era parado a todo momento e dava atenção a todos, falando de política e futebol. As pessoas apontavam de longe para ele. Afinal, ali estava o “dono” da nossa seleção, o cara que todos brasileiros queriam ver dirigindo o escrete.
Viagem para a Europa? Passaporte na mão, alguém lhe pergunta sobre a mala:
– Essa calça jeans foi a maior invenção do americano. Camisa, agasalho, compramos tudo isso lá fora, e bem baratinho!
Vim ao Rio em 1983 para falar com o Saldanha, quando estava me formando em Educação Física na FOA – a Fundação Oswaldo Aranha, em Volta Redonda. Na matéria, futebol – um trabalho que fiz sobre Jornalismo Esportivo. No Maracanã, numa quarta-feira à noite, assisti à goleada do Flamengo sobre o São Cristóvão por 5 a 0. Esperei o fim da ‘Jornada Esportiva’ e caminhei até a cabine da Rádio Globo. Já passava da meia noite quando gravei uma longa entrevista com o João.
Descemos juntos no elevador. Ele foi para o estacionamento enquanto eu caminhei para a esquerda, mirando o antigo Portão 18. Do nada, seu Passat cinza deu ré e, nisso, ouvi a seguinte pergunta:
– O que você tá fazendo aí, garoto?
– Vou ver se pego um táxi.
– Você quer ser assaltado? Entra aqui! Vai pra onde?
– Rodoviária.
– Te deixo lá.
Saldanha era assim.
O Flamengo foi jogar certa vez em Itaperuna. Eu, pela Rádio Globo, como repórter; ele, na função de comentarista da Rádio Tupi. Começou um boato de que o João sumiu. Cidade pequena, os jornalistas se dividiram para procurá-lo. Em pouco tempo, visualizamos Saldanha sentado no banco de uma praça, bebendo cerveja e contando histórias para cerca de 40 pessoas.
Audacioso, crítico, verdadeiro, eram passagens verdadeiramente espetaculares. O que prova que Saldanha foi mesmo um marco no nosso Jornalismo. Uma figura simples e muito, muito popular!
A última vez que o vi aconteceu no Galeão, durante o embarque para a Copa de 1990, na Itália. Debilitado, em uma cadeira de rodas, um torcedor chega à sua frente e pergunta:
– E aí, João… tudo bem?
Ele olha sério para o sujeito.
O desconhecido insiste:
– Tá tudo bem, João?
– Como e que tá tudo bem? Você tá cego? Olha essa cadeira de m… aqui! Vai pra pqp…
Saldanha era assim.
João Alves Jobim Saldanha, gaúcho de Alegrete, amigo íntimo de Heleno de Freitas e primo do gênio Tom Jobim, era fã declarado de Garrincha, outro gênio. Saldanha foi um dos maiores personagens do Brasil no Século XX.
Era um gênio
Aqui na minha cidade de Campos ele veio comentar um Goytacaz x Flamengo e a cabine da Rádio Globo era muito próxima a torcida do Goyta. Olhavam pra ele, desconfiados, esperando que fosse elogiar o Flamengo. Percebendo o clima pesado, Saldanha iniciou seus comentários dessa forma:” Hoje eu sou Goytacaz desde garotinho, pois sou antiflamenguista e quando o Flamengo joga, torço sempre pelo adversário “. Acalmou a torcida.
Sem dúvidas ele e Sandro Moreira foram os maiores comentaristas de futebol que eu vi (e olha que naquela época tinha muita fera). A coisa que mais me marcou com o Saldanha foi o dia em que ele deu um tremendo esporro no Galvão Bueno, em pleno programa que eles participavam na Band. Ali ele já tinha identificado a “mala” que se tornaria famosa depois.
Excelente matéria. João Saldanha foi realmente o maior comentarista esportivo do Brasil de todos os tempos. Podia nem sempre estar certo mas, para formarmos nossas opiniões, com certeza precisávamos antes ler o que escrevia ou ouvi-lo.
Saldanha, gênio, a história do Brasil ambulante, tem no YouTube um Roda Viva espetacular com ele, 1987.
CARO ELSO MEUS PARABÉNS OTIMA CRONICA SOBRE UMA DAS PERSONAGEM MAIS ICÔNICAS DESTE PAÍS.
Meu amigo, Elso, está crônica é um brinde para os amantes de furte suas histórias. E João Saldanha é um ícone da crônica esportiva brasileira. Para mim ele foi o grande artífice daquela seleção tricampeã de futebol. Ali ficou claro que o craque tem ter convocado e o treinador criar as condições para ele atuar.