por Paulo Roberto Melo
Ainda estou sob o efeito do inacreditável, causado pela morte do Paulo Gustavo. O que é preciso fazer para entender como uma pessoa, no auge da sua carreira, vai embora, morre, seja por doença ou algum acidente? Precisamos de uma explicação rápida que nos console, que nos conforte e que seja suficientemente forte para nos fazer continuar a ter esperança. Uns recorrem à religião, outros ao acaso e ainda outros, simplesmente sofrem. Apesar de ser a única certeza que carregamos na vida desde o momento do nascimento, não estamos preparados para o adeus definitivo.
Ainda criança, me lembro da minha mãe falando, sobre um poema chamado “O Corvo”, do escritor americano, Edgar Alan Poe. Nele, um corvo responde sempre a mesma coisa, quando questionado sobre a morte: Never more, ou, nunca mais. Creio que essa é a principal dor da morte: a certeza irremediável do nunca mais.
No futebol, nunca havia passado pela minha cabeça a ideia da morte. A imagem do atleta sempre correndo e forte, me parecia a própria imagem do indestrutível. Por isso, não entendia, em 1974, com oito anos, meu pai falando que o lateral esquerdo Everaldo, tricampeão com a seleção brasileira no México, havia morrido. Aquele jogador era campeão do mundo! Ídolo do Grêmio! Como assim?! Never more…
Quando eu tinha dez anos, em 20 de maio de 1976, o time do Cruzeiro entrou no Mineirão para enfrentar o Alianza Lima, do Peru. O esquadrão azul, formado por Raul, Nelinho, Piazza, Eduardo, Jairzinho, Palhinha e Joãozinho, em pouco mais de dois meses depois, conquistaria a Taça Libertadores da América pela primeira vez. A estrela daquela noite, porém, não era nenhum deles. Roberto Batata, um atacante de mais de 100 gols com a camisa azul, era a pessoa mais importante daquela partida. E ele não estava lá.
Roberto Batata tinha morrido sete dias antes em um acidente na rodovia Fernão Dias. Eu via meu pai e meus irmãos conversando sobre o ocorrido e minha cabeça dava um nó. Um atacante tão rápido, tão bom, como poderia morrer dessa forma? Por que não driblou também a morte? Never more…
Ainda em 1976, apesar de vascaíno, eu já admirava uma dupla que fazia sucesso no Flamengo: Zico e Geraldo. Um dia eu escutei meus pais conversando que o Geraldo foi fazer uma cirurgia para retirar as amígdalas e morreu de choque anafilático causado pela anestesia, em uma cadeira de dentista. Ele tinha apenas 22 anos! Lembro, que achava engraçado o fato dele jogar assobiando, gerando o apelido “Assobiador”. E estranhava o Flamengo jogando de calções pretos e, me perguntava: “Como vai ser agora, com o Zico? Vai voltar a jogar bem sem o amigo? Como uma das maiores revelações do futebol dos anos 70 podia morrer dessa forma, tão banal?”Never more…
Passaram 18 anos e em abril de 1994, quando cheguei para dar aula no colégio em que trabalhava, estranhei o comentário de que o Dener, jogador maravilhoso, que brilhava no Vasco e me enchia de alegrias, havia morrido em um acidente de carro na Lagoa Rodrigo de Freitas. Diziam as notícias, que o jogador havia morrido estrangulado no cinto de segurança. Antes de entrar em sala de aula, minha cabeça fervia com interrogações e exclamações: “O Dener tinha só 23 anos! Como uma carreira tão promissora podia acabar desse jeito?” Nevermore…
Ao longo dos anos, vimos imagens das atuações corretas do Everaldo, mas nunca mais vimos novas atuações dele. Vimos dribles e gols do Roberto Batata, mas nunca mais vimos novos gols e dribles dele. Vimos aquele gol do Geraldo na decisão da Taça Guanabara de 1976, entre Vasco e Flamengo, mas nunca mais vimos um gol do Geraldo. Vimos dribles endiabrados e gols sensacionais do Dener, passando por meio time, mas nunca mais vimos novos gols e novos dribles dele.
Veremos ao longo deste ano, reprises dos filmes e programas do Paulo Gustavo, mas nunca mais veremos novos filmes e programas dele. Nunca mais…
Quando a morte alcança alguém no auge de uma carreira, precisamos convencer nossas mentes, diante do inesperado, do inexplicável, do irremediável que é o “nunca mais”. Experimentei isso da forma mais dura possível, quando, no dia seguinte da morte da minha mãe, esperei um telefonema dela e ele não veio.
No especial de fim de ano da Rede Globo, em 2020, Paulo Gustavo se despediu dizendo, entre outras coisas, que “a gente não vai deixar de sorrir, não vai deixar de ter esperança.” Com certeza, vamos voltar a sorrir e vamos voltar a ter esperança. Hoje, ainda não dá…
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