por Rubens Lemos
Tornei-me adulto de verdade aos 23 anos e 29 dias. Graças a Romário, mago e malandro, pude ver, de verdade, sem ninguém para me contar, a maior exibição de um jogador pela seleção brasileira desde que assistira o primeiro jogo, em 1977.
Romário sambou no Maracanã com 101.533 pagantes e liquidou o Uruguai por 2×0, marcando os dois gols e, acima de qualquer ato plenamente humano, fez o que quis com a bola e os adversários.
Foi o maior perigo que o Brasil passou de ficar fora de uma Copa do Mundo. Picuinha do técnico Carlos Alberto Parreira e – sem fugir do script orgânico – do coordenador Zagallo, que jamais aceitariam o estrelato inigualável do Baixinho, herói dos cinquentões de hoje.
No dia 19 de novembro de 1993, o país amanheceu tenso. Romário era chamado como um atirador de elite para salvar o time. A seleção brasileira jogava pelo empate, se perdesse, dependeria de uma vitória do Equador sobre a Bolívia (terminaria empate por 1×1).
Melhor atacante do mundo, Romário já era fazia uns três anos. Chato, também nunca deixou de ser. Barrado num amistoso contra a Alemanha em Porto Alegre(Brasil 3×1) por Bebeto e Careca, só não abandonou a delegação porque foi contido literalmente no braço pelo seu companheiro de quarto – Renato Gaúcho.
Arrogantes, Parreira, menos, bem menos do que Zagallo, deram por encerrado o ciclo de Romário com a amarelinha. Estavam certos de que o trio Careca, Bebeto e Muller garantiria o lugar nos Estados Unidos em 1994. Careca, vaiado na Venezuela e sem o gás nem a categoria de sempre, pediu para ir embora. Restaram Bebeto, Muller e duas opções de meia-tigela: Evair e Valdeir.
O Uruguai era cascudo. Pelo menos três cracaços vestiam a camisa Celeste – Francescoli, Rubén Sosa e Fonseca e pairava sobre o Maracanã o caduco fantasma da derrota no mundial de 1950, exorcizada pelo maior fracasso da história do Brasil nos 7×1 levados da Alemanha, 21 anos depois.
Parreira e Zagallo juravam, para não convencer uma freirinha, que Romário seria convocado para decidir e tudo estava nos planos. Mentira.
Inventaram uma contusão em Muller para trazer o gênio. Soluções tidas como mortais, falharam, a maior delas, o apático Raí. E Zinho, que de habilidoso ponta-esquerda, foi mutilado, passando a mero perseguidor de laterais.
Romário chegou como se descesse na Vila da Penha, só de sunga. Garantiu que classificaria o Brasil e, ao primeiro toque, derreteu a maldade da dupla de comandantes. Driblou curto, deu balão, enfiou caneta, lançou longo, descadeirou zagueiros, humilhou os adversários – os oficiais e os traíras do banco de reservas.
Revi esse jogo não menos que duas dezenas de ocasiões. O jogo, não, Romário, cabeceando por baixo das pernas do goleiro Siboldi e arrancando para desmontá-lo em ginga de corpo típica de roda de gafieira. Ali não foi o último jogo das Eliminatórias de 1993, mas o primeiro da Copa de 1994, que Romário ganharia com o pé nas costas, como fizeram, também a léguas de distância dos companheiros, Garrincha em 1962, Maradona em 1986 e Messi em 2022.
Terça-feira o Brasil pega o Uruguai e o pau deverá cantar como se fizesse parte de um cerimonial eletrizante do confronto histórico. Nunca será igual a 1993. Nem hesitarei em trocar a transmissão ao vivo pelo repeteco, na íntegra, da tarde em que me tornei cidadão, não tosco adolescente com alguns anos atestados na carteira de identidade. Devo a Romário.
Quem conseguiu ver o futebol brasileiro como ele é, viu, quem nao conseguiu, aguarde a geração de 2090, quem sabe..