por Marcos Eduardo Neves
Mítico personagem da sociedade carioca dos anos 40, se estivesse vivo Heleno de Freitas celebraria hoje 100 anos de idade. Certamente, ele adoraria ver seus familiares na festa, mas treinadores, árbitros, companheiros de time… mandaria todos para o mais longe possível.
Heleno era irascível, temperamental. Mario Vianna, principal árbitro brasileiro da sua geração, era fã da sua elegância, de seus trejeitos de cidadão grã-fino, de boa família, estudante do São Bento que se formou em Direito. Em campo, porém, era sempre obrigado a expulsá-lo.
O rebelde centroavante recebia cartão vermelho não por conta de desentendimento com adversários. Na maior parte das vezes, as vítimas eram seus próprios colegas de time. Heleno desejava que fossem tão habilidosos quanto ele. Perfeccionista, precisava ter outros dez Helenos no time.
Nascido em São João Nepomuceno, interior mineiro, mas carioca por adoção, Heleno circulava pela high-society nos grandes cassinos e no Copacabana Palace. Amigo de João Saldanha e Carlinhos Niemeyer, era admirado e invejado. Admirado por ser jogador de seleção brasileira – se houvesse Copa do Mundo em 1942 e 1946, não fosse a Grande Guerra, seria forte candidato ao posto de artilheiro em ambas as competições. Afinal, se Leônidas da Silva foi o goleador do Mundial de 1938, e Ademir Menezes o de 1950, não há como duvidar do potencial de Heleno.
Invejado por de seu Cadillac sair quase sempre a mulher mais cobiçada do pedaço, Heleno parecia ator de novelas, modelo, capa de revistas. Cabelos glostorados à base de gomalina, ternos cozidos pelo requisitado alfaiate do Presidente Getúlio Vargas, era um figurão. Mas a vida desregrada por entre as rodas boêmias do profano ‘Clube dos Cafajestes’, seus amigos milionários, mulherengos e brigões, não necessariamente nessa ordem, levaria o galã ao vício do lança-perfume, que o conduziria a inalar éter puro antes dos trinta anos de idade. Assim, de paralisia geral progressiva, aos 39 anos Heleno morreria esquálido, deformado, em um melancólico manicômio de Barbacena. Cobaia e vítima das consequências finais de uma sífilis adquirida em alguma das inúmeras noitadas promíscuas.
Personalidade fascinante que seduziu de Armando Nogueira a Nelson Rodrigues, de Vinicius de Moraes a Gabriel García Márquez, Heleno de Freitas foi o grande ídolo do futebol brasileiro nos anos 40. Não ganhou nenhum título pelo clube do coração, o Botafogo, somente pelo Vasco da Gama, graças ao formidável ‘Expresso da Vitória’. Estrela da seleção, defendeu também o Boca Juniors, o Junior de Barranquilla, e fez pelo América uma partida icônica: o que seria a sua épica estreia no Maracanã acabou se tornando, devido à loucura que lhe corroía a mente, a sua triste despedida dos gramados.
Uma história dramática, que virou peça de Miguel Paiva. Um enredo cinematográfico, que virou filme com Rodrigo Santoro. Uma tragédia grega, como sugere o seu nome, que virou livro – cuja terceira edição sairá em março agora, sob o selo MUSEU DA PELADA.
Pela primeira vez, um livro de esporte traz, em plena capa, a imagem de um atleta fumando. Mais uma prova de que como era diferente. De que era uma força da natureza. De que nunca houve um homem como Heleno.
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