por Sergio Pugliese
No dia 10 de outubro de 83, alguns dias antes de enfrentar o argentino Passarella, da Fiorentina, em mais um clássico italiano, o zagueiro brasileiro Edinho, astro da Udinese, enviou um cartão postal para Cocada, camisa 5 do Chelsea. Não o clube inglês, mas o timaço da Constante Ramos, em Copacabana, que dois meses depois disputaria a final do Campeonato Estadual de Futebol de Praia contra o vizinho Valença, do Bairro Peixoto: “Estou aqui para jogar contra esse bundão do Passarella. Fiquei sabendo que vai passar no Brasil. Em dezembro estou aí para aquela partida de futi com a 9”. Edinho mais do que ninguém conhecia a rivalidade monstro entre Fiorentina x Udinese, mas o Chelsea, time de coração onde era o centroavante matador não saía da cabeça.
– Sou cria da praia e contava os dias para rever minha rapaziada – divertiu-se Edinho, no encontro promovido por Eraldo Xavier, o Cocada, nas areias da Constante Ramos, Posto 4, para os campeões recordarem os melhores momentos do título.
Foram anos dourados e o troféu serviu como cereja no bolo na trajetória dessa grande família! A equipe do A Pelada Como Ela É não ia perder essa e de cara foi brindada com a ilustre presença de Leovegildo Junior, do rival Juventus. Com ele, ouviu o curioso causo narrado pelo goleiro Henrique Lott, hoje tenista de ponta (mostra quem manda, Toninho!). Há alguns meses ele passou por uma situação inusitada: foi reconhecido pelo ladrão que o assaltava. Era um ex-adversário que aproveitou para revelar em tom nostálgico nunca ter visto um time igual ao Chelsea e para não perder a viagem exigiu uma “indenização” por todas as goleadas sofridas. Fugiu com alguns trocados, e, claro, a consciência tranquilíssima. Doce vingança!
– Parece piada, mas foi real – jurou.
O Chelsea realmente traumatizou muitos rivais. O técnico Geraldo Mãozinha fazia por onde, era linha dura. Na véspera das decisões fiscalizava as ruas de Copacabana para impedir os jogadores de caírem na tentação. Mas dessa vez Henrique, Cajinho, Hulk, Crioulo, Aldinho, Cocada, Ronaldo, Marco Octávio, Bico, João Mário, Armandão, Babá, Zé Luiz e Coelho estavam decididos a levantar o caneco e chegaram cedo ao campo. Maurício Gentil, Barril e Alemão, suspensos, e Ivan, emburrado, de joelho operado, também marcaram presença, assim como Seu Guedes, dono da Bee, patrocinadora oficial do escrete. Os dois primeiros jogos da decisão foram 0 x 0 e o árbitro Daniel Pomeroy previu uma batalha duríssima. Acertou. As zagas não davam chance e os principais lances morriam no meio campo, mas no fim do primeiro tempo João Mário aproveitou cruzamento de Bico, furou o bloqueio e venceu o goleiro Franklin.
– Ficar fora desse final foi dureza – lamentou Ivan, que numa das partidas do campeonato ganhou fama por enterrar a súmula para impedir que adversários inconformados com a derrota a rasgassem. De madrugada voltou ao local e a desenterrou, intacta.
No segundo tempo, o técnico Guimarães, do Valença, trocou Juca por Irimar e ganhou mais velocidade. Paulinho, de cabeça, empatou. Cocada, um dos melhores cobradores de faltas da praia, torcia por uma, mas nada. E quando Pomeroy ameaçava encerrar a peleja e partir para os pênaltis, Cocada, de meia-bicicleta, mandou a bola para a área e João Mário passou para Armando, que rolou para Bico. Gol!!!! Chelsea campeão! O ponto de encontro Dauphine, onde hoje é o Diagonal, na esquina da Barão de Ipanema com Domingos Ferreira, explodiu em felicidade!!!!
– Inesquecível – resumiu Bico.
No encontro, Cocada, Cajinho, Henrique, Ivan, Edinho, Junior e Magal deliciavam-se com recortes antigos. Tantas estrelas reunidas merecia uma foto e Reyes de Sá Viana do Castelo, o J.R Duran das peladas, iniciou a convocação: “essa metade em pé e vocês agachados”. Peraí, Reyes, estamos em 2012, dá uma colher de chá para as feras! Nos anos 80 a rapaziada não enfrentava qualquer dificuldade para essa abaixadinha, jogavam horas na areia fofa e queriam mais. Mas, agora, essa manobra exige cuidado. Para incentivá-los e não deixar a peteca cair, um dos figuraças do grupo, o professor de Educação Física Roberto Vallim, o Betinho, entrou em ação cantando Rappa: “Se meus joelhos não doessem mais, diante de um bom motivo que me traga fé…que me traga fé”. E o motivo era nobre: ser eternizado pela digital de Reyes. O “empurrão musical” funcionou! Os craques do Chelsea esqueceram-se das rótulas emperradas e meniscos desgastados, e posaram orgulhosos representando uma lendária geração que fez história e hoje integra a seleta lista dos monstros sagrados do futebol de praia.
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