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GARRINCHA, CANTO VAZIO

21 / janeiro / 2018

por Rubens Lemos


Manoel dos Santos Garrincha foi o mais brasileiro de todos os brasileiros do futebol. Representou a molecagem, a irreverência, a habilidade, a coragem e assumiu a paternidade do drible, a prova da superioridade de um homem sobre o outro no quadrilátero de um campo. Morreu há 35 anos, num 20 de janeiro de 1983. 

Garrincha seria barrado para a Copa de 1958 por não passar num teste psicológico. Teria de fazer um desenho e explicar com coerência o que havia desenhado. Errou, pois caneta ele dava nos outros, não segurava com as mãos.

Garrincha era um passarinho em forma de gente. Garrincha nasceu para jogar bola, não para entender de ciências.

Na volta olímpica do Estádio Rasunda, em Estocolmo, Brasil campeão do mundo pela primeira vez, o psicólogo João Carvalhaes berrava para Nilton Santos, compadre do deus das pernas tortas:

– Ele é muito mais do que aquilo que você disse Nilton. O homem é um monstro.


– Agora é fácil falar né, Doutor Carvalhaes? – devolveu Nilton Santos, que intercedeu para Garrincha ficar mesmo reprovado no psicoteste.

Garrincha driblava com ternura. Era amado pelos meninos.

Em seu livro Histórias do Futebol, João Saldanha conta que o Botafogo foi excursionar em 1957 (ele de técnico) em Fortaleza.

Concentrada num hotel à beira-mar, a delegação era acordada antes das 7h com a algazarra de meninos magros e pobres. Procurando o comparsa. Que saía correndo, driblava cinco de uma vez, brincava de mocinho e bandido, se deixava prender, mergulhava em grupo nas ondas, sentava e puxava assunto.

– Vem cá, com essas cabeçonas, vocês são “tudo filho” do Dutra?

O Dutra era o Marechal Eurico Gaspar Dutra, dono de uma cabeça enorme e que presidira o Brasil entre 1946 e 1951. Garrincha foi tratado por muitos como um tolo, mas quem sai com uma sacada assim é tudo, menos burro.

Dois anos antes do episódio com a molecada em Fortaleza, Garrincha era convocado pela primeira vez, pelo conservador técnico Zezé Moreira. O bairrismo era pior do que discurso de xiita em rede social e formaram-se duas seleções para o Torneio Bernanrdo O’Higgins, disputadO contra o Chile. Zezé treinava o escrete formado pelos cariocas e Vicente Feola o time só de paulistas.

A atuação não sinaliza para um grande currículo. O Brasil empatou por 1×1 diante de 70 mil pessoas no Maracanã graças a um gol de pênalti marcado pelo vigoroso zagueiro Pinheiro, do Fluminense. Atuava-se com cinco na frente a a linha atacante escalada: Garrincha, Válter Marciano, Evaristo de Macedo, Didi e Escurinho. O potiguar Dequinha, de Mossoró, foi o volante.

Garrincha explodiria mesmo em 1957, sempre fintando preconceitos e tratados de gorduchos que jamais dominariam uma bola. Em amistoso antes da Copa, driblou a defesa inteira da Fiorentina e voltou para espezinhar o goleiro Sarti.


Fintou-o de novo e caminhou com bola até o fundo das redes. Quase é linchado, por cartolas e companheiros. A genialidade de Chaplin lhe custou dois jogos na reserva e talvez tivesse evitado a Copa do Mundo. Garrincha jogou contra os russos e assombrou o mundo.

Garrincha deu outra Copa do Mundo ao Brasil jogando por ele, Elza Soares, sua Diva e por Pelé. Aliás, com Pelé e Garrincha, a seleção nunca perdeu para ninguém. Foi em 1962, no Chile, quando o Negão se machucou e Garrincha foi ponta-direita, meia-esquerda, centroavante, quarto-zagueiro e, se Gilmar precisasse, iria para debaixo das traves.

O Garrincha que me sobrou está nos filmes, nos livros. Nos depoimentos de amigos mais velhos. O Garrincha que é morto cada vez que se elege um segundo melhor do mundo.Garrincha, na verdade foi o primeiro.

Pelé não pertenceu a espécie humana. Era um extraterrestre de tão monstruosamente espetacular. Olhe bem para o lado direito de um campo de futebol. Para o canto extremo. Está quase sempre vazio. Um lugar feito para Garrincha e a sua ausência  parece ser uma homenagem. Bem torta, a gravura de sua vida.

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