por Eliezer Cunha
Nostalgias sempre me consomem e de alguma forma passam a fazer parte do meu cotidiano. Positivo ou negativo não me importam, no mínimo servem de matéria prima para expor meus sentimentos traduzidos em indignação ou conformismo. Já há algum tempo me vêm à tona minhas lembranças pós-póstumas de quando respirava e vivia futebol. Dentre estas recordações uma em específico me marcou e me vem à memória ciclicamente. A tal “peneira” a que se referiu recentemente nesta página Serginho 5Bocas.
“Peneira” se constitui em uma etapa de seleção em que aspirantes sonham em ser um profissional bem sucedido em um clube de futebol. Para isso, precisa passar por uma ou mais etapas de avaliações realizadas por representantes de um clube.
Nos meus humildes sonhos de adolescente deslumbrava-se uma carreira de jogador tendo como espelho Zico e, vestir a camisa dez do Mengão, jogando no maior estádio do mundo para completar a realização deste sonho.
Nascido no subúrbio carioca, origem pobre, era minha mãe costureira que fixava em qualquer camisa de malha o Nº 10 tão sonhado. A bola sempre embaixo do travesseiro me ajudava a construir meus sonhos. Raramente ia ao Maracanã. Quando ia, era sempre levado pelo meu irmão onde por falta de recursos aprendi a me comportar na geral. Metade de minhas atenções era dividida entre o palco e o meu maior ídolo.
Em casa fazia meus trabalhos de casa, aperfeiçoava a perna esquerda chutando uma dente de leite contra o muro entre os jardins da casa de dona Alice (Mãe), pois sabia que somente a perna direita não me tornaria apto para construir meu sonho. Fundamentos de cabeçadas e domínio de bola completariam esse cardápio.
Nas peladas do bairro era o primeiro a ser escolhido, me chamava de Platini, astro francês.
Confesso que nos melhores campos, onde as peladas eram mais sérias, precisava de uma chuteira, quase sempre emprestada de um amigo. Meião e chuteira não combinavam comigo, queria era mesmo jogar descalço. Coisa de várzea, meu maior palco.
Mas a coisa estava ficando séria.
Enfim, final dos anos 70 o time do Campo Grande começava a se despontar entre os times pequenos e aí fui eu, carregando uma chuteira emprestada fazer um teste, a tal “peneira’”. O trem se encarregou de me levar há um campo bem próximo ao estádio Ítalo Del Cima. Lá se reuniam todos aqueles que de alguma forma ou de outra sonhavam com o mesmo destino. Começar no Campo Grande e depois triunfar em um grande clube brasileiro. Centenas de adolescentes alardeavam o gramado. O meu grande momento estava chegando, concentrações à parte, ouvi do treinador o soado do apito a me chamar. Entrei no gramado e em menos de dez minutos meu sonho foi desfeito, resumido a dois toques na bola. Naquele momento reconheci uma das partes da engrenagem desta lúdica estrutura, percebi um complô entre alguns meninos, onde a bola somente circulava entre eles, era a chamada “panelinha”. E foi assim que meu sonho foi desfeito para sempre, voltando para a geral do Maracanã de onde nunca deveria ter saído, carregando o sonho desfeito, desapontado e iludido em ser mais um, só mais um a entender que a ciência futebolística não e nunca será exata, salvo algumas raras exceções.
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