por Ricardo Dias
Meu avô treinou no São Cristóvão; meu pai, no Bonsucesso; eu, no Fluminense. Como não tenho filhos, essa falta de intimidade com a bola termina em mim. Nenhum de nós servia para a coisa.
Meu avô, apesar de minúsculo, lutou boxe (imagino que peso pum-de- pulga), e foi bem sucedido. Meu pai, vôlei, e também muito bem sucedido (a não ser que contemos o jogo Mackenzie X Flamengo; ele, contundido, foi escalado para ser juiz – estamos falando da década de 50. Com o senso de justiça e destemor que lhe são peculiares, roubou o Flamengo o quanto pôde, tendo que sair fugido do ginásio. Já a salvo, tomando um caldo de cana no Engenho de Dentro, teve que novamente fugir da torcida adversária, cujo bonde passou na frente da pastelaria onde estava meu imprevidente ancestral).
Já eu… Tentei o judô, meio a contragosto. Adorei as primeiras aulas. Na turma da minha idade, eu era o maior, ganhava de todo mundo sem sequer me mexer, coisa que aliás não sabia fazer muito bem. Aí me colocaram com os de meu tamanho, e passei a apanhar regularmente. O judô perdeu todo o seu charme.
Tentei o vôlei, como meu pai, mas um saque dado para trás, desaparecendo com a bola, abreviou minha carreira. No basquete, Clube Municipal, onde amigos jogavam, fui tentar a sorte. Primeira bola, já saindo, corri e devolvi-a para a quadra de costas, única jogada possível. Seguiu o jogo, bola de novo comigo, marcado por um monstro gigantesco, passei a bola de costas. soa o apito de Jorjão, o técnico: PRIIIIII!
– Fora. Globetróti não é pra branquelo!
Só sobrou o futebol. Já contei das minhas desventuras por aqui, então não vou me repetir. Mas o fato é que esse jogo me pegou de um jeito que jamais pude imaginar. Descobri naquele jogo uma poesia, uma dança, uma beleza da qual nunca suspeitei. Ainda mais que comecei a acompanhar futebol justamente com a Máquina Tricolor, de 1975. E olhando o futebol de hoje, fora no gol, por conta da preparação mais apurada que temos, acho que nenhum jogador no futebol brasileiro atual teria vaga naquele time. Talvez no banco, um ou outro. Aliás, nem no Flu nem no Inter daquele ano, ou no Cruzeiro, ou… Acho que se eu fosse criança hoje ia insistir no vôlei.
Assistir a um jogo no Brasil é uma prova de amor ao esporte acima de tudo. Não há prazer envolvido, há suspiros e ranger de dentes. E não é saudosismo! É apenas ver as coisas como são.
Assistir a um jogo do Barcelona ou do PSG é mais ou menos o que a gente via toda semana aqui. E não é exagero, esses caras iam ter que suar e muito para ganhar de um bom time daquela época. O Bayern, campeão da Europa, tomou um passeio no Maracanã. Nossos times excursionavam por lá e iam enfiando goleadas. Todos nos temiam.
O que mudou? Eu pergunto e eu respondo: tudo. Não temos mais campos de peladas, não dá para jogar na rua, não há mais terrenos baldios, e sobram técnicos de escolinhas que precisam de resultados. Quando vêem um talento, vira volante. Caneludo vira atacante. Se corre muito, lateral. E quando se destaca um pouquinho, enchem de mimos.
É só isso? Não. Temos dirigentes ladrões, nossos grandes times viraram pequenos, estão tentando nos espanholizar da pior forma, deixando apenas dois ou três times grandes, a imprensa ajuda isso…
Amigos, aqui é o lugar para reagir. Museu não é só velharia, é resistência! Vamos correr atrás, vamos encher o saco das estações de TV para que os jogos ocorram em horários civilizados, para que todos os times tenham espaço igual, para que cada clube brigue com a CBF e as federações.
Vamos… Ok, desculpem, minha função aqui é falar bobagem. Mas futebol é tão bonito… Então ao menos termino como craque, com um poema de João Cabral de Melo Neto:
Bola de futebol… é um utensílio semivivo,
de reações próprias como bicho,
e que, como bicho, é mister
(mais que bicho, como mulher) usar com malícia e atenção
dando aos pés astúcias de mãos.
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