por André Felipe de Lima
“Arthur Friedenreich jogava futebol com o coração no peito do pé. Foi ele quem ensinou o caminho do gol à bola brasileira”, escreveu o cronista Armando Nogueira. Foi o introdutor da finta curta, do passe improvisado e dos “floreios barrocos” de que sempre falava o sociólogo Gilberto Freyre. Seu drible era curto, com os pés e com o corpo. O chute? De indizível efeito. Se me permitam a ousada tese, talvez tenha sido o precursor da folha seca de Didi.
Friedenreich mostrou ao Brasil o verdadeiro desenho do futebol dos trópicos, metade europeu, metade africano, mas “brasileiro por inteiro”, como frisou João Máximo. Até o começo dos anos de 1950, cerca de dez anos antes de não ser reconhecido por aqueles meninos do mercado municipal, poucos no Brasil eram reverenciados como Friedenreich. Reportagem da revista O Globo Sportivo descrevia logo nas primeiras linhas: “Muitas vezes tem-se dito que Arthur Friedenreich foi dos mais populares homens do Brasil. Sim, mesmo mais conhecido do que muitas figuras célebres da política e de outras atividades. Foi ele, sem dúvida, uma bandeira, um exemplo. Foi uma figura, enfim, nacional, desde aquele célebre campeonato sul-americano de 1919 […] Fried tornou-se um dos maiores beneméritos do esporte em nossa terra.”
Pena que lembravam pouco do ídolo do passado. Em 1970, durante entrevista ao repórter Paulo Mattiussi, dona Joana, companheira de Fried durante 57 anos, lamentava: “Ele foi muito esquecido e ninguém nunca se lembrou que tinha sido o El Tigre, rapaz de futebol perfeito, elegante, melhor até que Pelé. Vi poucas vezes Fried jogando. Mas assim mesmo lembro que era um futebol diferente: mais elegante, humano. Não era tão violento como dos jogos dessa Copa [Copa do Mundo de 1970, no México] […] Na Revolução [Constitucionalista] de 32, ele foi como sargento, voltou como tenente e herói. Comandava o pelotão dos esportistas e subiu um morro debaixo de tiros para tomar a posição. Nos últimos anos, eu e meu filho notamos que Fried estava sentindo muito o esquecimento em que vivia. Quando havia futebol na televisão, virava o rosto ou fingia dormir. Não gostava de comentar nada. Só uma vez, em 65, foi assistir a um jogo de futebol, do Santos.”
Incômoda lembrança da sra. Fried. O craque teve de pagar ingresso para entrar no estádio e só conseguiu sentar-se na tribuna de honra após muita confusão. Ninguém reconhecera El Tigre. Isso o amargurava, relembrou dona Joana: “Fried não gostava de falar, mas, pelo fato de nunca ter recebido dinheiro para jogar, não aceitava a profissionalização do esporte. Dizia que assim tudo perdia o amor. Ele nunca pensou, ou admitiu, que a gente pudesse andar por aí pedindo ou lembrando o seu passado para conseguir alguma coisa. Certa vez, quando trabalhava na Antarctica, Fried foi a Brasília, em 62. Como era muito amigo de Juscelino [presidente Juscelino Kubitschek], recebeu convites do presidente para ir mais vezes a Brasília e até mesmo para trabalhar lá. Mas Fried nunca aceitou. Nesse tempo, até fins de 62, Fried ainda tinha disposição para tudo. Vivia intensamente em cada viagem ou serviço que tinha de fazer. Mas, depois, quando a arteriosclerose começou a atacá-lo, ele mudou. Dizem que as pessoas que têm essa doença não sofrem. Acho que é verdade mesmo. Fried não demonstrava ser um homem doente, pelo contrário. Aos 77 anos usava touca de meia para ainda tentar alisar os cabelos rebeldes e encaracolados. O que ele demonstrava era que se sentia esquecido. E como aqueles troféus não tinham importância para ninguém, passaram a não ter para ele também.”
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O texto acima é um pequeno trecho da biografia sobre Friedenreich, que consta do VI volume de “Ídolos – Dicionário dos craques do futebol brasileiro, de 1900 aos nossos dias”, com lançamento previsto para o primeiro semestre de 2018. Em breve teremos no mercado os dois primeiros volumes, as letras “A” e “B”. A enciclopédia, que consiste em 18 volumes, está sob a edição do querido Cesar Oliveira, que gentilmente me convidou para ajudá-lo na organização da autobiografia de Friedenreich, que está na ponta da agulha para também chegar às livrarias.
Hoje, dia 18 de julho, comemoramos o nascimento do maior jogador brasileiro da era amadora e um dos maiores em todos os tempos: Arthur Friedenreich, “o ídolo que não foi de barro”, como estampou, certa vez, a revista O Globo Sportivo.
VÍDEOS RAROS DE FRIEDENREICH
Um grande jogador,um Rei esquecido pela população safada do Brasil sem memória e sem formaçao e cultura.