por Elso Venâncio
O visionário Francisco Horta é um dos grandes personagens do nosso futebol. Além de formar duas ‘Máquinas’ no Fluminense, clube que presidiu entre 1975 e 1977, contratando um punhado de craques – nomes como Rivellino e Paulo Cezar Caju, dois dos maiores jogadores do mundo na época –, o dirigente também sacudiu o futebol brasileiro ao instituir o genial ‘troca-troca’, fazendo com que ídolos vestissem o uniforme dos rivais, o que motivou os torcedores a lotarem sempre o Maracanã.
Depois de ser considerado o ‘Presidente Eterno’ das Laranjeiras, sendo cotado para assumir a FERJ e até mesmo a CBF, o advogado e magistrado carioca chocou o mundo da bola ao aceitar o convite do então presidente do Flamengo, Gilberto Cardoso Filho, para comandar o futebol rubro-negro como manager – uma espécie de diretor de futebol profissional remunerado.
Gilberto Cardoso ficou tonto com a rasteira que levou de Antônio Soares Calçada, presidente do Vasco, no episódio que culminou com a saída do craque Bebeto. Cria rubro-negra desde que foi contratado, ainda garoto, junto ao Vitória, o atacante assinou com o cruz-maltino após ser feito o depósito do valor de seu passe na Federação. O fato representou a maior contratação da história, entre clubes arquirrivais.
O Brasil acabara de conquistar a Copa América após 40 anos de jejum e Bebeto, além de artilheiro, com sete gols, foi considerado o melhor jogador do torneio. Era o melhor do Brasil, cobiçado por vários gigantes da Europa.
Em maio de 1990 Horta desembarcou na Gávea com plenos poderes. Encontrou forte crise e muita rejeição ao seu nome, por conta do seu passado no Fluminense, seu time do coração.
De cara, tentou uma contratação de impacto:
– Presidente, quem será o seu Rivellino? – perguntou-lhe, reverenciando-o, Gilbertinho.
– Está em São Paulo e usa a perna esquerda.
– Como assim?
– É batedor de faltas e joga no Corinthians.
O sonho dele era Neto, camisa 10 que levaria o alvinegro paulista ao título brasileiro no fim daquele ano.
Quando assumiu, trabalhávamos na Rádio Globo. Eu, como setorista do Flamengo. Ele, comentarista do ‘Panorama Esportivo’, programa líder nacional de audiência que era apresentado por Eraldo Leite, das 22h às 24h.
Nova rotina, passávamos o dia inteiro na Gávea. Ao fim da noite, a gente se reunia novamente nos estúdios da Rua do Russel, na Glória.
Horta chegou à Gávea, foi ao vestiário e colocou o agasalho rubro-negro. Achei estranho! Chamou jogadores e imprensa e, de repente, promoveu uma reunião em que, com todos de mãos dadas em formato de círculo, no centro do campo, para minha surpresa e espanto, pediu em voz alta:
– Bota fé que dá pé! Vamos repetir… bota fé que dá pé!
Os fotógrafos fizeram a festa.
Sempre otimista, enfrentou os chefes de torcida organizada, que tinham uma sala ao lado do estacionamento dos jogadores, a ‘Atorfla’:
– Sou tricolor, mas estou Flamengo e sempre fui fascinado por seu gigantismo.
Claro que houve imediata reação nas Laranjeiras. Horta quase teve seu título de Grande Benemérito cassado.
Durante as partidas, ficava ao lado do técnico Jair Pereira, no banco de reservas, e dava nota aos jogadores publicamente:
– O melhor foi Uidemar. Vai ganhar um poodle! – prometia um presente ao craque do jogo sempre que o time ia a campo.
Vitor Hugo, um zagueiro viril, era chamado por ele de ‘Homem de Ferro’:
– Nosso Homem de Ferro… nota 3!
– Junior ‘Capacete’, você precisa melhorar… 5!
– Renato? Bom, nosso Frank Sinatra está rouco. Sem nota…
Estrela do time e maior salário do futebol brasileiro, Renato Gaúcho reagiu com declarações pesadas. O clima esquentou. Querido por todos, Uidemar, o ‘Ferreirinha’, para amenizar a situação, com toda a sua pureza comentou, ao lado do campo:
– Minha mulher tá me cobrando o cachorro, Doutor. Ela gosta muito de poodle!
A passagem de Francisco Horta pela Gávea foi rápida. Girou em torno de cinco meses. Mas foi marcante. A primeira Copa do Brasil conquistada pelo Flamengo, que começa a disputar na semana que vem o tetracampeonato da competição, foi conquistada praticamente sob seu comando. É que Horta acabou sendo demitido quase um mês antes da decisão, no dia 5 de outubro. Na final, disputada em 1º de novembro, o rubro-negro venceu o Goiás por 1 a 0, em Juiz de Fora – mesmo palco onde Zico se despedira no ano anterior, contra o Fluminense. Aliás, Fluminense… de Horta!
Certa vez perguntei a ele:
– Por que trocou Paulo Cezar Caju, Gil e Rodrigues Neto por Marinho Chagas, com o Botafogo?
– Erro meu! – assumiu.
Ele se equivocou ao ir trabalhar no Flamengo? Fica a pergunta no ar. Quem sou eu para entender ou julgar esse personagem que estava à frente do seu tempo e foi um dos maiores dirigentes do Século XX?
Vida longa ao “Presidente Eterno”, que completou, em 23 de setembro, 88 anos de idade!
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