por Claudio Lovato Filho
Retiro da parede o quadro com a foto.
Nós quatro rindo para a câmera, abraçados, vestindo nossas camisas preferidas, prontos para a festa ou para guerra. Tarde de jogo, dia de estádio. Há muito tempo.
Um de nós já se foi deste mundo. Outro foi morar longe, em outro continente. Os outros dois continuam indo juntos aos jogos do time até hoje (quando o problema de coluna de um deles não impede que isso aconteça).
O que se foi era o mais engraçado e também o mais invocado.
O que foi morar no exterior era o mais quieto, mas o mais fanático.
Os dois que ficaram assumiram o papel de guardiões das lembranças de todos eles.
Resta falar do autor da foto, aquele que um dia nos convenceu de que precisávamos nos manter sempre unidos, porque assim tinha que ser com irmãos, assim tinha que ser na família; aquele que, pouco tempo depois de fazer a foto, foi aplicar sua experiência e suas ideias de pai em outro lugar, com outra família.
Ele se jogou para trás na cadeira e ficou olhando para a tela do computador.
A foto do time parecia um quadro impressionista, com ele ocupando a terceira posição, de pé, a partir da esquerda.
Sabia que nunca iria conseguir se libertar daquela imagem, do significado daquela imagem.
Às vezes achava que sua vida havia se encerrado ali, com aquele time, naquela temporada, há mais de 30 anos.
Olhava para aqueles rostos e se lembrava de personalidades e episódios. Os líderes e os seguidores; os rebeldes e os cordatos; os gozadores e os introspectivos; os agregadores e os individualistas; os reclamões e os positivos. Seus companheiros.
No canto direito, de pé, sério como sempre, o velho dava a impressão de que tinha sido forçado a participar da foto. Não que se sentisse desconfortável entre os jogadores. Ao contrário. Ele apenas achava que os jogadores deveriam ser os protagonistas, e somente os jogadores. Seu papel, ele dizia, era indicar caminhos e, quando preciso, assumir culpas. O velho defendia seus jogadores como se aquilo sempre envolvesse o que ele possuía de mais valioso: honradez e integridade, coisas que definem uma existência e não cabem numa foto.
A mãe do jovem torcedor tem muito bom humor, mas quando é dia de jogo fica preocupada.
Hoje é dia de jogo e ela olha para a foto do filho no porta-retratos sobre a mesinha de centro.
É um menino tranquilo, mas ela ficou sabendo – por uma vizinha, mãe de um amigo do filho – de algumas coisas que ele andou aprontando no estádio. Ficou sabendo de algumas, imaginou outras e viu outras, viu marcas nas costas dele, vergões.
Nos pesadelos dela há cassetetes, correntes e facas.
Cada vez que ele sai para o estádio, ela diz: “Juízo, meu filho. Vai com Deus”.
E, como hoje não é um jogo comum, mas um clássico, ela está mais nervosa. Não acompanha de perto o futebol, mas não é uma alienada e sabe o que significa um clássico na cidade onde vivem. Sabe também o que significa “torcida organizada”, que ela lê em todas as camisas que ele usa quando vai aos jogos.
Então ela resolve fazer as únicas duas coisas que parecem sensatas naquele momento: enviar uma mensagem para o filho perguntando se está tudo bem e rezar para que Nossa Senhora Aparecida interceda junto a Deus Pai Todo-Poderoso para que proteja seu menino.
Esses dois atos serão repetidos várias vezes, durante toda a tarde e parte da noite, até que o filho volte para casa, são e salvo, e então, finalmente, ela possa desviar os olhos da imagem no porta-retratos e descansá-los no rosto dele, iluminado sob a luz fraca da entrada da casa.
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