Escolha uma Página
Generic selectors
Exact matches only
Search in title
Search in content
Post Type Selectors

FEIJÃO COM ARROZ DOS TREINADORES ANTIGOS

15 / outubro / 2023

por Zé Mário

Há poucos dias escutei alguém falar que os treinadores antigos só faziam o “Feijão com Arroz” nos treinamentos dos jogadores de futebol.

Quando ouvi isso a minha cabeça começou a girar para entender o significado de tal afirmação. Quem afirmou isso? Será que foi um pesquisador? Um cientista? Um ex-jogador de futebol? Um ex-jogador de futebol Campeão Mundial? Minha mente foi retrocedendo no tempo. Hoje, com 74 anos, tive que fazer um esforço muito grande para voltar aos 10 anos de idade.

Aos 10 anos eu comecei a jogar futebol de salão. Ou melhor, comecei a jogar o futebol da bola pesada. Atualmente FUTSAL. Meu primeiro clube foi o Magnatas Futebol de Salão, ali na Estação do Rocha. Não lembro os nomes dos treinadores desse tempo, mas me lembro que aprendi a me posicionar dentro da quadra. Cada um tem uma função e me foi mostrada e orientada a função que eu deveria exercer na minha posição.

Eu comecei de beque parado. Cobertura, passe bom, boa marcação, raça, vontade de vencer, cabeça fria, etc. Algumas coisas aprendi no paralelepípedo e no asfalto. Outras nas peladas no campo que era metade mato e metade areia. Ainda outras coisas aprendi com meu pai. Ser macho. Disputar a bola com vontade, mas com lucidez.

Ainda no Magnatas aprendi a competir. Disputei algumas competições oficiais. Mudei para o Vila Isabel Futebol de Salão, hoje extinto, e continuei a minha evolução, sempre orientado pelos Treinados Antigos. Incentivavam a técnica, a criatividade e, principalmente, que o momento do jogo era o jogador quem decidia. Ele não entrava em campo.

Assim, fui me informando com eles e “Aprendendo a Jogar” igual aquela música que a Elis tornou imortal uma letra do Guilherme Arantes. Tudo que falavam eu prestava atenção. Minha carreira de jogador de futebol de salão evoluía tranquilo. Campeão pelo Vila Isabel, Campeão Brasileiro pela seleção Carioca.

De repente surgiu uma oportunidade de treinar no infanto-juvenil, nome da época para a minha idade, no meu time de coração, o Fluminense. Sem muita convicção em me tornar um jogador profissional, comecei a treinar.

Conheci o Pinheiro, o ex-jogador e Treinador da minha categoria. Já o admirava como jogador do Fluminense. Fui muitas vezes ver os jogos no Maracanã e ele era um dos heróis. Tê-lo perto de mim e me ensinando e orientando a minha possível profissão futura foi uma honra.

Qual seria a minha posição no campo? Sei lá. Apesar de já ter jogado em campo grande, a minha formação foi no Futebol da Bola Pesada. O Pinheiro me colocou de Ponta Direita para me observar. Ponta Esquerda e Centroavante.
​Em um treino eu entrei sozinho com a bola dominada e me deparei com um goleiro famoso. O treino era contra o profissional ou o reserva. Sei que parei a bola e fiquei sem ação. O goleiro na expectativa do que eu ia fazer e eu paralisado na frente dele. Para a minha sorte, veio o centroavante e eu passei a bola para ele fazer o gol.

Aí veio uma das melhores lições que aprendi na vida.
​O Pinheiro apitou anulou o gol e deu falta contra o meu time. Perguntei o porquê e ele falou que eu tinha sido covarde em concluir o lance. Falou que eu tive medo do nome e da imagem do goleiro. Fiquei estático. Pedi desculpas dizendo que ele estava com a razão.
​Levo para o resto da minha vida essa lição. Não tenham medo de nada que apareça na sua frente. Resolvam. Pode ser cauteloso, calmo, mas decida.

Além desse aprendizado, ele ensinava que nunca deveríamos receber a bola de costas para o gol adversário. Sempre, de frente e no mínimo de lado.
​Ele incentivava o confronto de homem a homem. Ele exigia comprometimento. Ele exigia comportamento como jogador. Ele sempre falava que éramos espelhos dos mais jovens que a gente e precisávamos demonstrar isso para os mais jovens ainda.

Não existia peneira como é feita hoje. Quatro ou cinco meninos eram permitidos demostrarem o potencial deles no meio da equipe. Eles chegavam, trocavam de roupa junto com o grupo e iam para o treino. Num desses treinos um jogador chegou e dentro do vestiário o Pinheiro perguntou qual era a posição dele. Ele respondeu que era lateral direito. O Pinheiro o mandou ficar em pé, olhou bem para ele e mandou que ele andasse da porta do vestiário até a rouparia. O menino foi. Quando parou, o Pinheiro falou que pelo andar a posição melhor para ele seria volante. O menino treinou de volante e agradou.

Muito obrigado, PINHEIRO, pela minha iniciação no Futebol da Bola Mais Leve, mas com um Campo Imenso.
​O Treino no Fluminense atrapalhava os meus estudos no São Bento e resolvi parar.

Voltei seis meses depois pelo Bonsucesso. Lá encontrei outro Treinador da Antiga, Alfredo Abraão, com muitos ensinamentos.

Cruzamentos, chutes frontais, marcação, coberturas, etc.
​Me lembro bem que ele falava para os pontas que o pé na hora do cruzamento tinha que estar no formato de uma foice para a bola fazer a curva e ir de encontro à cabeça do centroavante e não o centroavante correr atrás da bola para cabecear. Nunca mais esqueci disso, apesar que eu não era ponta. Ainda assim anotei o ensinamento.

Trocou o Treinador. Saiu o Prof. Alfredo Abraão e entrou o Major Murilo de Carvalho. Mais ensinamentos e orientações proveitosas.

Num dos primeiros treinos coletivos, eu recebi três vezes a bola e dei três passes certos bem simples. Nos três passes certos, mas simples, ele apitou e deu falta contra o meu time. Na terceira vez perguntei onde errei. Ele parou o treino e falou que eu tinha feito o óbvio e fazendo aquilo eu morreria no Bonsucesso. Não teria progresso algum. Aí eu perguntei o que eu tinha que fazer. Prontamente me respondeu que quando a bola ainda estivesse com o meu companheiro e antes dele me dar a bola, eu já deveria ter olhado o campo todo e ver quem estava desmarcado. Então, eu olharia para um lado e daria a bola para o outro sem olhar. A jogada dessa forma seria melhor para o time.

Podemos dizer que era ter uma “Visão Periférica do Campo de Jogo” mesmo antes de ter recebido a bola.
​Eu já fazia um pouco disso no Futebol da Bola Pesada sem ter muita noção da importância disso. ​Mais um que levo para a minha vida toda.

Depois peguei o Prof. Paulo Emílio. Ele me lançou nos profissionais do Bonsucesso, me levou para o Fluminense e depois para o Vasco. Mais uma série de aprendizados. Não dá para enumerar todos os aprendizados com todos os treinadores. Eu ficaria aqui escrevendo um livro e não um artigo.

Aprendi que cada treinador teria coisas boas e coisas não muito boas para aprender. Passei a catalogar o que fazer quando virasse Treinador e o que não fazer. Cada treinador anotava as boas e as que eu não gostava. Isso vai desde treinamento até as atitudes.

Se vocês prestarem atenção aos Treinadores que eu aprendi a praticar o futebol, sentirão a importância de atentar para o que essas pessoas fizeram pelo futebol.
Pinheiro, Alfredo Abrão, Paulo Emílio, Velha, Zizinho, Freitas Solich, Zagallo, Joubert, Jair da Rosa Pinto, Parreira, Didi, Orlando Fantoni, Otto Gloria, Diede Lameiro, Mário Travaglini, Mario Juliato. Olha quanto “FEIJÃO COM ARROZ” eu comi com o comando deles.
Olha quantos “Campeonatos Mundiais” o Brasil ganhou comendo “FEIJÃO COM ARROZ”.

Se eu pudesse voltar a ter 15 anos de novo, eu passaria o dia todo rezando para tê-los me ensinando “FEIJÃO COM ARROZ”. Com o Flamengo, consegui dez Títulos, com o Fluminense, três, com o Vasco da Gama, oito e Portuguesa de Desportos um.

Como Treinador obtive quatorze Títulos ensinando o que aprendi. Ensinei o “FEIJÃO COM ARROZ” com a medida proporcional que cada grupo precisava.

Feijão com Arroz bem simples.

Feijão com Arroz com Amor

Feijão com Arroz mais evoluído.

Feijoada Completa para grandes jogadores.
Nada mais, nada menos.

Agora não me venham com Feijoada Portuguesa que não dá para engolir.
Quantos anos não ganhamos um Campeonato Mundial?
Será que estamos dando muito “CAVIÁ” para os jogadores e esquecemos que é o “FEIJÃO COM ARROZ” que eles precisam???????????????????????????????????????????????????????????

TAGS:

5 Comentários

  1. Jorge Gonçalves

    Parabéns pelo excelente texto. Era sócio do Bonsucesso e acompanhei os primeiros passos do Zé Mário no futebol, jogando em Teixeira de Castro. Depois vibrei com suas conquistas no Fluminense. Lembrou do Velha, sabia muito de futebol.

    Responder
  2. Toninho Almeida

    Parabéns pelo depoimento fantástico

    Responder
  3. Herminio

    Você é muito especial Zé Mário
    Perfeito a sua colocação

    Responder
  4. Adilson Aragão.

    Perfeito “narigão” fui um jogador de peladas brabas em bangu e meu treinador na vila hipica foi o Ananias e ele me disse “Antes da bola chegar em vc.vc ja viu o cpo tdo”e na hora de finalizar seja egoista, pois ninguem vai ti consagrar no futebol.

    Responder
  5. Max Sgarbi

    Excelente!! Está coberto de razão. Estamos cheio de “Professores” à beira do campo, e há 20 anos sem conquistar uma Copa.
    *Zé Mário, Zanata e Dirceu, um dos melhores meio de campo que vi jogar!

    Responder

Enviar um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *