por Émerson Gáspari
Quando eu – um ancião que assistiu a todas as Copas desde 1930 – me propus a usar minha fantástica imaginação para “brincar de Deus” e alterar o “Maracanazzo” de 50, jamais poderia esperar tamanha repercussão por parte de vocês, aqui no Museu da Pelada. Por isso, cumpro agora minha promessa feita na semana passada: exorcizar todos os demônios daquela que ficou conhecida como “A tragédia do Sarriá”.
Segunda-feira, 05 de julho de 1982. Muito calor na cidade de Barcelona, onde daqui a pouco, a favoritíssima Seleção Brasileira joga sua sorte contra a limitada Itália, pela XII Copa do Mundo, realizada aqui na Espanha.
Apresso o passo, pois as filas são grandes do lado de fora do estádio Sarriá. Há torcedores por todos os lados, atraídos por um jogo que realmente promete!
O Brasil é a mais pura expressão do futebol-arte, dono de um meio-campo mágico, esplendor de uma constelação de craques. Este setor do time é a tradução fidedigna da nação futebolística, com seus quatro estados mais tradicionais ali presentes: Falcão (Rio Grande do Sul), Toninho Cerezo (Minas Gerais), Sócrates (São Paulo) e Zico (Rio de Janeiro). A identificação com o torcedor é total.
Desde o ano passado, a equipe maravilha o mundo com exibições exuberantes. Em sua última excursão à Europa, derrotou com autoridade a França (3×1), a Inglaterra (1×0) e a Alemanha (2×1). Em seu último amistoso no país, antes de embarcar para a Espanha, o Brasil esmagou impiedosamente a Seleção do Eire por 7×0, com quase trinta chances de gols criadas durante a partida. Parece nem se ressentir de um centroavante técnico, pois os dois melhores do país neste quesito, Careca e Reinaldo, estão sem condições de jogo e sequer viajaram para a Europa. Pena!
Já por aqui, os “artistas brasileiros” derrotaram a União Soviética na estreia por 2×1 (de virada), golearam a Escócia por 4×1 (também de virada), brincaram com a Nova Zelândia (4×0, com apenas 8% de passes errados) e despacharam a atual campeã do Mundo; a Argentina (3×1, com Maradona expulso, por apelar).
Quanto à pobre “Squadra Azurra”, merece nosso respeito mais por sua tradição, do que pelo futebol que vem jogando. Após escândalos como a prisão do artilheiro Paolo Rossi (por manipulação de resultados), tropeços seguidos e um futebol retrancado e desacreditado, seu treinador, Enzo Bearzot tem trabalho para convencer a todos que podem vencer a partida.
A Itália passou à duras penas pela primeira fase da Copa, contando com o critério de desempate e um mísero gol a mais do que o estreante Camarões. Depois, até surpreendeu, vencendo a Argentina por 2×1, num confronto que ficou marcado pela caça à Maradona. De qualquer modo, a equipe não joga um futebol convincente, mesmo contando com ótimos jogadores.
Nenhum torcedor sabe que na preleção, Falcão faz uma colocação quanto a atuarem mais recuados dessa vez, até por possuírem a vantagem do empate. Mas o grupo, após Telê discordar, fecha com o treinador, de que é melhor jogar pra frente, “pois está dando certo, até aqui”.
É sob essa atmosfera, que Brasil e Itália vêm a campo. Encontro-me na arquibancada, tomando mais uma garrafa de água com gás, nessa tarde abafada e decisiva para o futebol das duas equipes. Um empate nos classifica, mas queremos a vitória. E por goleada, se possível!
Tiro a camisa da Seleção e a enrolo na cabeça, devido ao sol escaldante, enquanto confiro as escalações: o Brasil vem com Waldir Peres, Leandro, Oscar, Luisinho e Júnior; Cerezo, Falcão, Sócrates e Zico; Serginho e Éder, sob a batuta de Telê Santana. A Itália de Enzo Bearzot, com Zoff, Orialli, Scirea, Collovati e Cabrini; Gentile, Tardelli e Graziani, Bruno Conti, Paolo Rossi e Antognoni.
O árbitro israelense Abraham Klein apita e o Brasil dá o pontapé inicial: Zico rola para Serginho, que retrocede para Cerezo e daí ao capitão Sócrates. A torcida se agita.
Apesar da Seleção Brasileira, ter conquistado o coração dos espanhóis, me parece haver mais gente com camisas da Itália espalhada pelas arquibancadas.
Essa turma vibra logo aos 5 minutos, quando Conti inverte bonito o jogo da direita para a esquerda, por onde desce o lateral Cabrini. Ante a aproximação de Leandro, ele levanta a bola na área. Paolo Rossi deixa Júnior para trás e cabeceia praticamente na risca da pequena área, à queima-roupa, no canto direito baixo da meta de Waldir: 1×0.
Uma surpresa que não estava no “script”. Mas a seleção vai empatar, sabemos que vai.
Serginho luta próximo da área com três italianos e a bola espirra para Zico, que se livra do marcador e tenta dominá-la, colocando-a muito à frente. Tanto, que ela vai parar nos pés de Serginho, já entrando na área. Mesmo canhoto, ele chuta de direita, bisonhamente para fora. O Galinho reclama, pois tinha tudo para concluir e empatar.
Mas o Brasil continua dominando e as jogadas de ataque se sucedendo.
Aos 12 minutos, Sócrates estende um passe longo entre dois italianos na meia-direita a Zico, que se livra com um giro surpreendente em cima de Gentile e lhe devolve a bola. O “Doutor” deixa seus marcadores para trás, invade a área pela direita e mesmo com pouco ângulo, fuzila Zoff, que cai sentado. A bola levanta cal ao cruzar a linha: 1×1. Na comemoração, Zico salta nas costas do companheiro. Vibram muito!
Enzo Bearzot insiste para que Gentile não desgrude do “Galinho”, lembrando-o daquilo que haviam combinado nos vestiários: que caberia a ele (e não à Tardelli), a missão de marcar o brasileiro em cima, exatamente como fizera no jogo anterior, com Maradona. O italiano cumpre à risca a ordem, tanto que logo ganha um cartão amarelo.
São 25 minutos: Waldir atira com as mãos, uma bola para Leandro na direita, que mata no peito e a entrega para Cerezo. Esse pensa em lançar mais à frente, porém desiste e inesperadamente, resolve virar o jogo para o meio, onde estão Júnior, Falcão e Luisinho, tendo Rossi a observá-los, de perto. Ao tentar bater de três dedos, porém, ele “espirra o taco” e a bola passa nas costas de Falcão, sendo que Luisinho já saía para o ataque. Paolo Rossi, atentíssimo, “dá o bote”, passando entre eles e arrancando para o gol. No desespero, Júnior tenta um carrinho, mas não o alcança.
O artilheiro avança até a meia-lua e dispara, aproveitando-se de Waldir Peres estar um pouco adiantado: 2×1 para a Itália. Cerezo se descontrola e começa a chorar, talvez pressentindo o pior.
O gol revolta os torcedores brasileiros, pela desatenção da zaga. Mas nem tudo é festa para a Itália, pois Collovati, que vinha fazendo ótima partida se contunde e é substituído por Bergomi. E o Brasil começa a pressionar, perdendo oportunidades com Sócrates (que cabeceia livre, mas em cima do goleiro Zoff), com Falcão que chuta de longe uma bola perigosa e quase no fim da primeira etapa com Zico, que recebe um passe rasteiro do “Doutor” e já na grande área, é puxado por Gentille na hora da conclusão. A força do puxão é tamanha, que abre um imenso rasgo na camisa do “Galinho”. De nada adianta mostrar ao juiz: vergonhosamente, ele não dá o penal.
Chega o intervalo e fico imaginando como estarão os torcedores no Brasil, ansiosos pelo segundo tempo e confiantes na virada do selecionado brasileiro.
Os times voltam e não há alterações. Apenas taticamente, pois o Brasil passa a alternar uma troca de posições em campo, com os laterais às vezes virando alas e vindo pelo meio, enquanto os meias abrem pelas laterais, escapando da ferrenha marcação.
Já a Itália continua a inverter jogadas de um lado para outro, o tempo todo. Antes, mais da direita para a esquerda. Agora, isso ocorre ao contrário.
Logo aos dois minutos, o Brasil dá sua primeira “estocada” num chute venenoso de Falcão, que passa próximo ao gol de Zoff.
A Itália acaba tendo um pênalti não marcado, cometido por Luisinho em cima de Paolo Rossi. Seria porque Luisinho é especialista em cometê-los sem que sejam vistos (como o da estreia, diante da URSS) ou será que o juizão quis compensar aquele não marcado em cima de Zico, ainda na primeira etapa?
Novamente é a vez do Brasil: Cerezo penetra e tenta chutar, mas Zoff é mais rápido e se antecipa, fazendo a defesa. Não é só: pouco depois, Serginho tenta cabecear e como não consegue, improvisa um toque de calcanhar, mas Zoff está atento e outra vez, intervém. Fico imaginando aqui com meus botões, como um goleiro com mais de 40 anos, que na Copa passada afundou a Itália levando quatro gols de fora da área nas duas últimas partidas, possa estar nessa forma física e técnica. Está feito vinho: quanto mais velho, melhor. E um legítimo vinho italiano!
Meus pensamentos são abruptamente interrompidos pelo contragolpe adversário: é Rossi, que recebe passe açucarado de Graziani e cara-a-cara com Waldir, desperdiça enorme oportunidade, mandando pela linha de fundo, por estar desequilibrado.
O Brasil continua a pressionar, mesmo se expondo ao perigoso revide italiano.
Acaba sendo recompensado aos 22 minutos: Júnior escapa para o ataque, saindo da lateral e vindo para a meia-esquerda. Já próximo da grande área, executa um passe de três dedos para Falcão que desce pela meia-direita e recebe.
Há seis brasileiros e oito italianos acompanhando a jogada, a maioria, dentro da grande área. Cerezo passa correndo pelas suas costas, do centro para a direita, atraindo a marcação de três adversários e abrindo a zaga italiana. Falcão corta para dentro, traz a bola para o pé canhoto e já no interior da meia-lua, quase na risca da grande área, desfere um chute violento, no canto direito de Zoff. Tudo igual: 2×2.
Ensandecido, veias saltadas na cabeça e no pescoço, gritando sem parar, Falcão corre na direção do banco de reservas, numa comemoração verdadeiramente emocionante, num gesto de puro amor e entrega à camisa que enverga e honra. Ato contínuo, o “Rei de Roma” chacoalha Toninho Cerezo – novamente chorando – para motivá-lo.
Após muita luta, o Brasil está novamente “no páreo”, com o empate. Bem que o “olheiro” brasileiro, Zezé Moreira, havia alertado para o poderio do time italiano, qualificando-o como o nosso mais perigoso adversário. Não estava enganado.
Os canarinhos continuam com mais posse de bola e poder ofensivo: num dos ataques, pegam a zaga italiana totalmente desguarnecida: Zico lança Éder, tendo Sócrates livre, pronto para receber e marcar. Entre eles, apenas Scirea, que fica protegendo sua área. Mas Éder não faz o passe para o companheiro. Ao invés disso, tenta o drible e é bloqueado. Foi a grande chance de “matar” o jogo.
Telê então coloca Paulo Isidoro no gramado, sacando Serginho. Percebe que o Brasil precisa variar os lados do campo ao atacar e fixa Sócrates como falso centroavante. Com Isidoro, de certa forma ele reequilibra o time, “desentortando” as linhas táticas, já que, por atuar sem ponta-direita fixo, a formação ficava torta para a esquerda, facilitando a marcação italiana, quase sempre pelo mesmo setor. O ponta também costuma ajudar o time, voltando para ajudar a fechar o meio-de-campo.
A equipe permanece ofensiva, mas sente as dificuldades em penetrar numa zaga tão bem postada e com o forte calor que fisicamente mina os atletas na parte final do jogo. A plateia, de 44 mil privilegiados torcedores, mal pisca os olhos.
Numa bola inofensiva alçada para o ataque, Toninho Cerezo tenta recuá-la de cabeça para Waldir, erra e termina por ceder o escanteio. Zico chama sua atenção, mas ele gesticula que “está de olho”.
Só que o time não parece estar e mesmo com todos os seus onze homens na grande área, toma o terceiro gol, na cobrança.
Bruno Conti levanta na área, pela direita. Oscar, Sócrates e Scirea dividem, pelo alto. Tardelli apanha a sobra, gira e bate, dentro da área, em direção à meta. No meio do caminho, Paolo Rossi desvia de Waldir Peres: 3×2 para os italianos, que vibram muito. Júnior pede impedimento, esquecendo-se de que ele mesmo dava condições ao centroavante, por estar na pequena área.
Uma espécie de “pane mental” abala o time. Depois, o cansaço se incumbe de arrefecer as investidas brasileiras. Parece que o inacreditável vai acontecer: a Itália, verdadeiro “azarão” no “grupo da morte”, vai se classificar, eliminando Argentina e Brasil. Marini entra no lugar de Tardelli, na Seleção Italiana.
Aos 42, Paolo Rossi trama boa jogada e dá a Antognoni, que vence Waldir Peres, marcando o quarto gol italiano, o qual, por um lapso da arbitragem é mal anulado, pois o atacante não estava impedido. Ainda nos resta uma última esperança!
E ela aparece, na falta cometida em cima de Éder, quando arrancava em direção ao gol. A infração é quase no bico da grande área, pelo lado esquerdo. Passamos dos 43 minutos do segundo tempo. É agora ou nunca!
Quatorze jogadores na grande área, seis brasileiros, oito italianos. E lá vem a bola na área, magistralmente colocada por Éder, no último bolo de jogadores. A “menina” passa caprichosamente por todos, menos pelo último deles: Oscar, que desfere uma cabeçada violenta, para baixo.
Zoff salta e no puro reflexo a agarra, com dificuldades, em cima da linha, junto ao pé do poste esquerdo de sua meta. É o fim, para nós! Estamos desclassificados. Nosso futebol lúdico perdeu. Entraremos para a história como a geração genial sem títulos.
Não! Inesperadamente, o bandeirinha corre para o meio-de-campo. Klein dispara em sua direção e ouve o que este tem a dizer: que a bola cruzou a linha de gol, sendo puxada em seguida por Dino Zoff, para concluir a defesa. Klein então parte para o círculo central, tendo os italianos a lhe perseguirem, reclamando.
“-Gooooooool do Brasiiiiiiiil!!!” . É Luciano do Valle, se esgoelando na cabine de TV, vibrando com o empate brasileiro. Gritamos também, a plenos pulmões, no estádio. Comemoração indescritível! Até os italianos se rendem nesse momento e aplaudem o gol brasileiro, aparentemente aceitando a derrota e a valentia com que sua seleção caiu, não perdendo o jogo ao menos, para o favoritíssimo adversário.
Mais dois minutos de tensão em campo, porém a Seleção Brasileira não dá mais sopa para o azar e ainda perde uma última chance num escanteio magnificamente cobrado por Éder, que o veterano capitão italiano soca para longe de sua meta.
Aos 46 minutos e 13 segundos, Zoff repõe a pelota com um chutão para o alto e Klein apita o final do jogo: 3×3 e no Brasil, as comemorações eclodem, pela tarde e noite afora.
O susto muda um pouco a visão de Telê, quanto ao time. Ele não aceitará mais entre os atletas, falta de seriedade defensiva, nem desequilíbrio emocional em campo. Muito menos, confiança exagerada.
“- Não ganhamos nada, ainda!”, não se cansa de repetir em entrevistas e depois, ao grupo de jogadores. Por via das dúvidas, confirma que Batista passa a ser o titular, a partir de agora, sempre no primeiro tempo, com Cerezo “talvez” entrando no segundo.
Além disso, Serginho ficará no banco, pois Paulo Isidoro será mantido no time e haverá um revezamento entre Sócrates e Zico, no comando de ataque, visando manter-se o máximo de craques, no gramado. Até Dinamite passa a ter chances de entrar. Waldir Peres e Luisinho recebem um voto de confiança; mas qualquer novo deslize e Paulo Sérgio e Edinho estarão de prontidão, para assumirem a vaga de titular.
A partir daí, nossa seleção engrena, vencendo a Polônia de Lato (desfalcada de Boniek) e chegando à final, diante da França, que eliminou a Alemanha de Rummenigge.
É uma decisão apoteótica, a máxima expressão da pura essência do futebol bonito! De um lado, Michel Platini, Giresse, Tiganá, Rocheteau. Do outro, Zico, Sócrates, Falcão.
Nem é preciso falar muito: o placar de 5×4 para os brasileiros – inédito na história das finais de Copas do Mundo – já é mais do que suficiente para traduzir a magnitude da finalíssima. O Brasil se torna tetracampeão mundial de futebol, tendo como palco o estádio Santiago Bernabéu, em Madrid.
Ao receber a taça das mãos do presidente da FIFA, João Havelange, o capitão Sócrates lhe entrega uma carta assinada pelos jogadores brasileiros, pedindo o fim do regime de concentração e o apoio da entidade nessa luta. Havelange promete estudar o caso.
No dia seguinte, os jornais trazem a cobertura do que foi aquele Mundial: para muitos, melhor até do que o de 1970, no México. E também da festa, por todo o país.
Na capa do Jornal da Tarde, a foto de um garoto chorando com a camisa brasileira, feliz pela conquista, no estádio, vira símbolo daquela geração vencedora. Por uma tremenda coincidência, eu estava próximo do menino e vi quando a foto foi colhida. Comovente!
Na volta para o Brasil, o avião que traz a delegação brasileira aterrissa em Brasília, para que os jogadores sejam homenageados pelo governo brasileiro.
Perante milhares de torcedores que superlotam o imenso gramado diante do Palácio do Planalto e aproveitando-se da euforia do presidente, o general Figueiredo – que adora futebol e acaba de discursar – o Doutor Sócrates, tendo os jogadores ao seu lado, reivindica “Eleições Diretas Já” para o país, nos microfones, inflamando a massa.
Surpreso e pressionado há algum tempo pela opinião pública, o presidente promete dar uma resposta em breve a todos. E de fato o faz, semanas depois, marcando eleições com voto direto, para quando terminar seu mandato e entregar o cargo.
A euforia toma conta dos brasileiros nos anos que se seguem.
Zico, Sócrates e outros craques permanecem jogando aqui, pressentindo dias melhores. Falcão logo retorna ao futebol brasileiro, que agora anda valorizadíssimo.
Com a eleição de Tancredo Neves, que obtém mais de 70% dos votos, o Brasil entra numa era de investimento alto em educação, saúde e profundas reformas na política, como extinção de cargos, de privilégios e um incansável combate à corrupção.
No futebol brasileiro, os principais clubes se unem, organizando a Copa União, embrião de muitas mudanças para melhor, nos campeonatos regionais e nacionais, daí para frente.
Aposentados dos gramados, Sócrates e Zico se sucedem na presidência da CBF. Com o apoio do governo, é criada uma lei de incentivo em todo país, que assegura um campinho de futebol gramado para cada 10 mil habitantes, no mínimo, visando levar o esporte aos mais longínquos rincões dessa nação abençoada, assim como, para descobrir novos talentos.
O Brasil passa a ser “a bola da vez” e a ter seu campeonato transmitido para todo o mundo, inclusive para a Europa e até (quem diria!) para Argentina e Uruguai.
Agora são os estrangeiros que querem copiar nosso jogo!
O futebol-arte passa a ser reconhecido como modelo de modernidade. Futebol, de agora em diante, só para craques.
A mídia não abandona sua postura de tratar com seriedade jornalística, o esporte das multidões. Nada de olhar futebol como mero entretenimento ou diversão, formando legiões de torcedores alienados por programas esportivos cheios de gracinhas, tolices desnecessárias e apresentadores que não entendem profundamente do riscado. Jornalismo esportivo é e sempre será coisa séria! Não à palhaçada!
Muito menos transformar a Seleção Brasileira em produto. Ou os clubes, em reféns do dinheiro das cotas televisivas, vítimas de má administração.
Treinadores que apregoam retrancas e jogam pelo resultado, são perseguidos.
A ordem agora é primar pela parte técnica, cada vez mais.
A parte física é apenas um complemento importante. Nada mais que isso. Quem não sabe jogar muito bem, não tem espaço. É preciso talento e criatividade, para se firmar.
Laterais podem descer quantas vezes quiserem, ao ataque. Até os dois juntos, se preferirem. Volantes entram em processo de extinção. No meio-campo, somente gênios. Atacantes, quantos mais, melhor.
Os pernas-de-pau são definitivamente banidos do futebol profissional. Muitos passam a disputar campeonatos amadores.
Nada de esquemas rígidos de marcação, tampouco equipes jogando no erro do adversário. Faltas, somente como último recurso. Simular uma entrada faltosa então; vira pecado mortal para os críticos e são exemplarmente punidas.
A beleza do toque refinado, do drible desconcertante e dos gols executados através de jogadas bem feitas, passa a ser primordial e algo cada vez mais constante, nos gramados do Brasil e do mundo.
Não tem tanta importância levarmos gols, desde que façamos mais tentos do que o adversário; é claro.
Nunca mais, em parte alguma deste planeta, alguém pronunciará contra o tão sagrado futebol, a terrível blasfêmia:
“- Ganhando o jogo de meio à zero, tá bom demais!”.
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