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ESTREIA NO MARACA

30 / dezembro / 2016

por Marcelo Mendez


Nunca mais vou esquecer do meu pai chegando em casa com a noticia;

“Vou te levar para ver a final do Campeonato Brasileiro no Maracanã” –
Cara, entrei em transe! Nem me preocupei muito com o fato do jogo não
ser do meu Palmeiras. A final seria entre Flamengo x Santos e aí entra
o Carlinhos…

Era amigão do meu pai. Da lembrança que tenho dele nos anos 80, sempre
me vem a mente um sujeito cabeludo, todo pinta, usando umas roupas
coloridas, all star no pé, santista alucinado e dono de um Corcel II,
bala! Pretão, banco de couro e toca fita novinho! Carlinhos
seria o cara que nos levaria para aquela que até então era minha
primeira grande aventura ludopédica; Ir ao Rio de Janeiro para ver uma
partida de futebol. Foi lindo…

Lembro de enfiar a cara na janela do carro e da sensação gostosa do
ventão na minha cara rasgando a Dutra a caminho do Rio. Um gosto
incrivel de liberdade e alegria que é algo que sempre lembro quando
penso em futebol. No tal toca fita, o Carlinhos ouvia repetidas vezes
uma fita do Bob Dylan e jamais esqueci de Subterranean Homesick Blues
no talo, entrando pelos meus poros junto com aquele solzão de domingo
lindo, enquanto íamos para o Maracanã. Épico!

Na minha cabeça de menino de 13 anos, aquilo tudo me parecia muito
grande. O mar de gente em vermelho e preto caminhando para o estádio,
os rostos de alegria, de luz, de satisfação de fazer parte daquele
momento, daquela página da história do futebol brasileiro… Todas
essas coisas me davam a exata noção da grandeza a qual eu passava a
fazer parte também. Rumamos para onde estava a torcida do Santos.
Ohhhh!!! Éramos então cinco mil santistas me disse o extasiado
Carlinhos. Achei incrivel! Tinha então uma certa segurança de que não
fariamos vergonha enquanto subíamos aquela enorme rampa de concreto
que nos levaria em nosso local da arquibancada. E quando chegamos vi
que eu e Carlinhos estávamos lindamente enganados…

Em meio às bandeiras do Santos me senti uma formiguinha. Éramos parte
de 165 mil pessoas. Veja bem; 165 mil pessoas!!!!! Então nossa missão
era torcer contra 160 mil rubro-negros. Até tentamos… Tal e qual um
Caruso, um Leslie West, um Barry White, enchi meu peito para com toda
força gritar “Peixeee” em solidariedade aos amigos santistas que tão
bem me trataram e que a mim, pareciam estar em tão enorme enrascada.
Naquele momento me arrependi profundamente porque acordamos então um
gigante inteiro:


As 160 mil vozes, apaixonadas, munidas de um sentimento que só o
futebol pode propiciar e nem sempre explicar, mandaram lindamente um
“MEEEEEEEEEEEEEEEEENNNGOOOOOOOOOOOOOOOO!!!” ensurdecedor… Mas fiquei
até com vergonha! Na hora da escalação dos times no placar eletrônico
eles continuaram; Aplaudiam número por número… 5 – Vitor (EEEEEE!!!
Vitor, Vitor, Vitor…) 8 – Adílio (EEEEEE Adílio, Adílio, Adílio) 9 –
Baltazar (EEEEEEE É Baltazar, É Baltazar…) Aí veio a catarse…


De repente, a massa rubro-negra se levantou do concreto do Gigante.
Todo mundo de pé, bandeiras tremulando, fogos espocando e o placar
eletrônico parado, não punha mais nenhum nome. Apenas o número 10
apareceu no placar. Aí o 10 piscava e o povão entrava em transe. Então
veio, letra por letra; Z-I-C-O!!!!!


O Maraca veio abaixo! A massa explodiu num coro lindo… “EI, EI, EI! O
GALINHO É NOSSO REI… ZICOOOOO, ZICOOOOO, ZICOOOOOO” Eu chorei!!!!
Cara, eu chorei! De emoção, de alegria, de tudo! Senti que eu tava
certo, pensei. “Porra meu ídolo é um deus! Zico é fodaaaaa!!” Quando
veio o jogo, aos 57 segundos, o Flamengão meteu 1×0 com gol dele e aí, acho que nem o Carlinhos ficou triste em ver que o Flamengo seria
inevitalmente campeão como foi. O Jogo acabou 3×0 e eu saí dali
convicto de que jamais abandonaria aquele esporte. Se não fosse
jogando bola, seria de alguma outra forma, mas jamais deixaria de amar
aquele jogo. Nunca mais esqueceria aquele domingo no Maracanã.

Pois bem. Passaram-se 29 anos. Muita coisa mudou…

Inventaram uma tal de globalização, outras nações apareceram, a gente
descobriu que os russos não comem criancinhas, que o Tio Sam não é
bonzinho, que o Rambo não é invencivel e que o futebol não é mais o
mesmo. Apareceu junto com as coisas novas do mundo um tal Ricardo, que por décadas se apossou do futebol brasileiro, que fez o que quis, e o
que bem entendeu com ele, até quando uma mulher virou presidente do
Brasil, e enxotou o sujeito de lá. Mas o sujeito deixou uma
herança…

A Copa do Mundo de futebol, graças ao tal Ricardo foi realizada aqui
em 2014. Com isso apareceu por aqui a tal da Fifa, cobrando
infraestrutura, exigindo passaporte diplomático para cartola
futeboleiro e querendo estádios novos. Então veio a vitima maior dessa
megalomania toda; O nosso velho Maracanã e uma afamada reforma, que no
começo custaria 700 milhões (o que já seria uma exorbitancia) e que
ultrapassou UM BILHÃO DE REAIS! É o estupro mais caro do
mundo!! Afinal é isso que fizeram com o velho Maraca. Enfim… O
futebol passa por um processo de elitização nojento!


Fomos o “País da Copa”…

Por conta disso, aceitamostodas as cretinices da FIFA. Por causa
disso, não se pega esse UM BILHÃO DE REAIS para construir um estádio
novo e com isso deixar o velho Maraca em paz, lá quieto, velho e até
desconfortável sim, para quem gosta de futebol de verdade. Não temos a
menor participação de nada! A seleção que outrora foi do povo hoje é
da CBF e joga em New Jersey; Os melhores jogadores vão para a Europa e
nosso campeonato passa em uma emissora de televisão que faz o que quer e bem entende com isso, pensando no esporte apenas como um produto. E aí chego à conclusão que não daria mesmo pro velho Maraca viver no meio disso tudo.

Em um mundo onde a beleza atrapalha, onde o encanto não é necessário, onde a paz é uma “frescura”, onde as pessoas só se permitem através de
redes sociais, onde ao invés de um abraço a rapaziada te manda “um torpedo”
via celular, pra que diabo se preocupar com o que um dia regeu o sonho
de tanta gente, com algo que tão bem fez a milhões de pessoas? Pois
bem…

Quarta-feira, 16 de maior de 2012, 15:35h da tarde:

Nessa data, tive um trabalho para fazer, cobrindo a quantas anda as
obras do maracanã para a Copa de 2014. Ao entrar vi que a marquise
lendária já não existia mais. Que não haveria mais arquibancada de
concreto para o povão, para nenhum atual menino de 13 anos ter a
chance de sentir o que eu senti em 1983. Me livrei da equipe de
trabalho e desci até onde ficava a geral do Maracanã. Será ali um
grande espaço de cadeiras nobres e caras. Um filme passou na minha
cabeça:


Pensei no Carlinhos, que hoje mora em Curitiba e poucas vezes o vi
desde então. Lembrei daquele orcel II bonitão, do som do Dylan, do
vento da minha cara. Naquela manhã chuvosa de 2012 ele não soprou.

Meu velho pai? Não, Seu Mauro não ta mais aqui conosco, foi descansar
desse mundo “novo” em 1997. Respirei fundo e sentia uma lágrima
escorrendo pela minha barba ali no meio daquelas obras. Nessa hora,
dei as costas e fui-me embora.

Deixei ali meu coração de menino sangrando na geral do velho Maracanã…

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