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ESQUECERAM DE MIM

17 / dezembro / 2019

por Zé Roberto Padilha


Desde que vim a campo quando inventaram o futebol, tenho vivido entre tapas e beijos dos homens que disputam a minha posse. Seja no Aterro do Flamengo ou no Morumbi. E não são poucos. São 22. Alguns me cercam de carinho, dormem comigo desde a adolescência e conhecem meu ponto G. De gol. Como Nelinho, Marcelinho, Rivelino, Fred, Gabigol e Otero.

Outros, apenas nos tem agredido, arremessado nosso corpo inerte e indefeso com violência e sem qualquer direção. Digão e Manoel são alguns dos que, recentemente, conheceram meu ponto C. De chutão. E abusam dele.

Aos carinhosos, retribuo dormindo alinhada nas redes adversárias. Aos violentos, denuncio maus tratos, e recebem cartões amarelos. Se insistirem, aciono a Maria da Penha. E ficam sem pisar o gramado por alguns jogos.

Sou poderosa, sei disso. Pois o Vasco pode trocar Luxemburgo por Abel, o Dudu vestir a camisa do Flamengo, aposentarem o Mano e o Felipão e até decidirem se vai ser jogo de torcida única que a partida acontece. Só não acontece se eu faltar. Não há como ter futebol sem a presença de uma bola. Mesmo assim me subestimam.

Por ser discreta, não dar entrevista nem mudar o penteado, estão esquecendo de mim. Seguem o jogo pelos rumos que tomo, dos pés que me conduzem, mas apenas falam de quem me conduz. E ignoram a importância de quem é conduzida.

Não tem mais a narração do simpático “Ripa na chulipa e pimba na gorduchinha”, o questionável “Bola pro mato que o jogo é de campeonato”, a reverência de Waldir Amaral “Desce com a bola o Rei Pelé”. Mesmo de plástico sintético, cara toda vida e bem leve, é como fosse invisível. Como não mais existisse.

“Segue o jogo!”, como se ele pudesse seguir sem mim. “Sabe de quem?”, sabemos, Luiz Roberto, que nunca serei eu.

Apenas filmam minha entrada em campo pelas mãos do juiz, não como uma saudação e respeito, mas para mostrar a logomarca do patrocinador que carrego no peito.

Consultei meu sindicato. E os mais velhos, de meia, couro e até os que foram de plástico, os Dentes-de-leite, dizem que está mesmo na hora de fazer greve. Pois se os caminheiros que transportam alimentos vão parar, porque eu, que transporto paixões, provoco emoções e decido quem vai trabalhar feliz dia seguinte no país do futebol, não posso cruzar os passes?

Me aguardem pela minha ausência. Quero ver jogar futebol sem mim.

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