por Marco Antonio Rocha
Nem sempre um erro significa algo ruim. Juan Alberto Schiaffino, um dos maiores craques do futebol uruguaio, sabia disso. Se tivesse executado com perfeição a jogada que planejara no gol de empate na final da Copa de 1950, talvez o aniversário de 70 anos daquele Mundial tivesse o verde e amarelo como as cores da festa. Falastrão, era o único jogador com que conversamos que não se importava de relembrar a conquista. E até admitia que a sorte foi sua importante aliada quando a Seleção Brasileira vencia por 1 a 0 e estava bem perto do título.
– Eu peguei mal na bola e acabei me saindo bem. Quem já jogou futebol sabe como é isso. Uma bola que chega rápido tem que ser chutada depressa! – ensinou o ex-apoiador, explicando sua verdadeira intenção:
– Minha vontade era chutar à direita de Barbosa, no canto que estava vazio, mas ela foi no outro lado, no primeiro pau. O goleiro não podia adivinhar o que eu ia fazer. Nem eu sabia o que fazer. Se eu tivesse chutado bem, talvez não empatássemos aquele jogo. No futebol acontecem as coisas mais inverossímeis.
Ao falar do acaso na decisão, o ex-astro do Peñarol não poupava nem sequer o gol de Ghiggia. Assim como o empate, Schiaffino atribuía a virada a um golpe de sorte:
– Ele correu pela ponta, não tinha ângulo, e chutou rente ao primeiro pau. Como a bola poderia ter passado entre Barbosa e a trave? Mas passou.
A convicção de Schiaffino era tão grande que, com base no retrospecto entre brasileiros e uruguaios, considerava a derrota dos donos da casa obra do sobrenatural.
– Não sou cristão, mas acho que o Senhor não quis que o Brasil ganhasse. A Seleção Brasileira nos metia três, quatro gols nos amistosos. Como pôde aquilo ter acontecido logo na final? Foi uma casualidade! – repetia o ex-jogador, que morava numa casa confortável de frente para o mar, onde desemboca o Rio da Prata.
Se a vitória surpreendeu os próprios uruguaios, o que dizer de como os brasileiros receberam o resultado? Schiaffino lembrava com detalhes a reação da torcida que lotou o Maracanã. E garantia que, apesar da alegria pela conquista, foi contaminado pela tristeza adversária.
– Todo aquele povo chorava na arquibancada, principalmente as mulheres. Foi a primeira vez que vi um espetáculo daqueles. Quando percebi a comoção, fui correndo para o vestiário. Eu não queria ver aquilo! – contou, lamentando que tenha contribuído para a decepção brasileira:
– É triste. O carinho dos torcedores com o time era enorme, assim como a esperança que todos tinham em sair campeões.
Nem quando o maior objeto de desejo do futebol chegou às mãos dos uruguaios, pelo presidente da Fifa, o desconforto foi amenizado:
– Jules Rimet entrou em campo para nos entregar a taça e nós víamos o que estava se passando fora das quatro linhas, ali perto. Era incrível, parecia que havia morrido um familiar daquelas pessoas.
Embora o sofrimento dos torcedores tenha sido grande, a cena que mais impressionou Schiaffino foi o desespero de um adversário:
– A imagem que mais me marcou foi o pranto do Danilo. Enquanto nós levantávamos os braços, ele punha as mãos no rosto. Às vezes, é um erro; às vezes, o inesperado acontece.
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