por Marco Antonio Rocha
A bola cruzada na área uruguaia, Jair Rosa Pinto em desespero agarra o goleiro, o apito final; Gambetta segura a bola, enquanto uma multidão, não menos aflita do que o atacante brasileiro, pede pênalti. O lance seguiu vivo por décadas na memória de Roque Máspoli, o simpático velhinho que morava perto do Estádio Centenário. Arqueiro celeste, foi ele quem parou a Seleção Brasileira.
– Saímos correndo pelo gramado gritando ‘Uruguai! Uruguai!’ porque sabíamos que o jogo havia terminado. A Copa do Mundo estava ganha! – orgulhava-se.
Na verdade, para Máspoli o Mundial já era dos uruguaios muito antes da comemoração. Segundo ele, o gol de Schiaffino, decretando o 1 a 1, mostrou à torcida que havia a possibilidade da derrota, o que tornaria patética a euforia mostrada até então:
– Era lógico que o Brasil fosse o favorito e que os torcedores esperassem a vitória. Por isso a torcida acabou sendo a principal causa da derrota na final. Ela sentiu medo quando empatamos e isso se refletiu nos jogadores brasileiros, que agiram como agem todos os seres humanos em uma situação como essa.
Para o goleiro campeão do mundo em 1950, a imprensa também teve sua parcela de culpa na frustração que se instalou no país após a partida. Agindo como torcedores, os jornalistas deixaram de lado o senso crítico e acabaram entorpecidos pelas goleadas do Brasil.
– A imprensa brasileira certamente deu mais força para o Uruguai, pois nos deixou sem a mínima responsabilidade. Ela nos tirava o peso das costas ao dar como certo o triunfo máximo do Brasil! – avaliava Máspoli:
– Com tantos resultados maravilhosos, os jornais já estampavam os brasileiros como vencedores. É o tipo de coisa prejudicial, porque ofende a outra equipe.
Beneficiada pelo clima de festa que cercava a partida decisiva, a seleção celeste entrou em campo sabendo que poderia tirar proveito da figura de coadjuvante. O roteiro estava devidamente estudado, e o papel principal mudou de mãos…
– Ao jogar a Copa Rio Branco, dois meses antes do Mundial, passamos a conhecer cada jogador brasileiro, todo o time, ponto por ponto. Isso nos favoreceu porque, quando disputamos a final, já tínhamos um conceito perfeito de como eram todos os jogadores adversários. Se não tivéssemos nos enfrentado pouco antes da Copa do Mundo, não tenho dúvidas de que não teríamos ganho! – sentenciou.
Aos 32 anos, Máspoli era um dos veteranos que tinham voz ativa no grupo. Ao lado de Obdulio Varela, Gambetta e Tejera, o goleiro participava das decisões do técnico Juan López:
– Analisávamos juntos os adversários e dávamos todo o suporte aos jovens, que formavam nosso ataque.
Porém, não só de tática se fez a conquista. Como num ritual de batalha, em que a sabedoria é transmitida pelos guerreiros mais velhos, Máspoli ressaltava a importância do convívio com os bicampeões olímpicos (1924 e 1928) e com os campeões mundiais (1930):
– Foram todos excelentes conselheiros, além de ótimos amigos. Eram veteranos, a maioria já tinha parado. Eles nos davam muitos conselhos e, como nós, formavam um grupo extraordinário. Era gente de muita categoria, que passava um astral incrível para nosso time. Quando estavam conosco, cantavam as músicas que embalaram suas grandes conquistas.
Aos poucos, os ensinamentos se transformaram em força, e a geração de 1950 também entrou para a história do futebol uruguaio. Era a vez de os novos campeões entoarem seus próprios cantos:
– No dia seguinte à decisão, fomos a pé até a Embaixada do Uruguai. No caminho, de mais ou menos um quilômetro, cantávamos, fazendo a nossa festa. As pessoas, apesar de tristes, nos aplaudiam, como exemplo da amizade que sempre existiu entre os dois povos.
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