EMBALO x ORDEM, O FLA-FLU DO ATERRO
texto: Sergio Pugliese | fotos: Marcelo Tabach e Arquivo
Quando o grupo de veteranos entrou no campo 6 do Aterro, o vendedor de cervejas abordou a equipe do Museu da Pelada.
– Vem cá, aqueles ali são o Luizinho, o Zé Carlos e o Sergio Macaco, do Embalo?
Eram!
Mesmo 40 anos depois, Valdoir Castro Vaqueiro, o Gaúcho, guardava na memória cada lance daquela decisão do oitavo Campeonato de Pelada do Aterro, em 11 de abril de 1976: Grêmio Recreativo Esportivo Bloco Carnavalesco Embalo do Catete 3 x 2 no Bola Preta. Nessa época não se falava em Barcelona, mas o vermelho e branco da Pedro Américo arrastava multidões e o toque de bola enfeitiçava os torcedores e iludia os adversários. Nesse dia, Gilvan, o saudoso presidente Vandeco, Luizinho, Marinho, Zair, Zé Carlos, Sergio Macaco, Joel e Tininho bailaram, inspirados pelo “Samba de Exaltação”, de Jardel e Tobias, “Embalo, eu não me canso de dizer, que eu te amo até morrer…”.
– Nesse jogo, o time começou atropelando – lembrou o zagueiro Luizinho, memória e alma do Embalo, timaço nascido do bloco Haja Dinheiro Que Mulher Não Falta.
É verdade. Logo aos dois minutos, o maestro Zé Carlos, considerado até hoje um dos maiores craques que pisaram no Aterro, fez o primeiro de falta e em seguida Tininho guardou o seu. Mas o Bola Preta era osso duro de roer e empatou com Café e Paçoca. No segundo tempo, Gilvan pegou tudo e o artilheiro Sergio Macaco, aos 28 anos, aniversariante do dia, entortava a defesa mas o gol não saía. Já havia feito 18 no campeonato quase todos driblando o goleiro, sua marca registrada. Um monstro! Mas faltando dois minutos para a decisão nos pênaltis, Zé Carlos, sempre ele, num chute despretensioso resolveu a parada. Deus era Embalo! A maior torcida do Aterro explodiu em felicidade! O pau comeu, mas a rapaziada não se assustava com cara feia e Miguel, torcedor-símbolo, nunca usou tanto o cabo do inseparável guarda-chuva. No fim das contas, a charanga estacionou na quitanda do Seu João, no larguinho da Pedro Américo, e a cuíca roncou até o sol raiar.
– Eu era o mascote e comemorei com mariola e polenguinho – contou Eduardo.
Antes desse feito, o Embalo já conquistara os títulos de melhor samba e torcida, além dos troféus de infantil e juvenil. O capitão Luisinho foi a muralha da zaga nos dois torneios. Em 71, no juvenil, o triunfo foi sobre o Ordem e Progresso, do técnico Capitão (que Deus o tenha!), tradicional rival. No tempo normal, 1 x 1, Luizinho de falta e depois mais três na série de pênaltis. O time? Chiquinho, Miúdo, Betinho, Luisinho, Reinaldo, Zé, Zezinho, Marinho e Jorge Luís. O técnico, Seu Rui. Alexandre Porquinho, cracaço do Ordem, apareceu no encontro, promovido pelo Museu da Pelada, e ouviu muitas gracinhas, mas defendeu sua seleção: Cavalinha, Wilde, Bombril, ele, Betinho, Alfredo, Samarone, Ratoeira e Euclides.
– Demos azar nesse dia…
E não adianta, por mais disputados que fossem os jogos do campeonato, nenhuma rivalidade superava a de Embalo e Ordem. Os times vizinhos do Flamengo transformavam o Aterro num Maracanã! O torneio, idealizado pelo jornalista Mário Filho, realmente mexia com a cidade. A galera do Ordem e Progresso, time criado pelo ourives Jorge Luiz de Miranda, o Capitão, era uma espécie de Raça Rubro Negra, lotava até as passarelas do parque e fazia uma barulheira danada apesar de não ter escola de samba como o rival Embalo do Catete. Sem dúvida, era a mais encrenqueira. O chefe da torcida, o advogado malucão Julio Benaiom não admitia perder, assim como os torcedores símbolos Ariovaldo Baiano e Carlinhos Caolho. Quando o Ordem jogava o campo virava caldeirão, mas tanta pressão não impediu o Capri, do genial Hugo Aloy, de levantar o primeiro caneco, em 66.
– O Hugo Aloy, do Capri, desequilibrava – confessou Filé, contratado do Ferreira Viana “a peso de ouro” para reforçar o Ordem.
Mas em 72 não houve quem desequilibrasse. Os primeiros adversários foram facilmente batidos. Nas oitavas de final pegariam uma pedreira, o Santos, de Leopoldina, Minas Gerais, um time formado por médicos. Mas Hamilton Yague, Miminho, Carlos Cesar, Filé, o saudoso Paulinho Pastel, Marcelinho, Cacá e Ronaldo Biguá deram a alma nesse dia e Capitão quase teve um treco quando Cacá, de cabeça, liquidou a fatura.
– Passamos para as quartas e pegaríamos o WM, time da Polícia do Exército – contou Filé, que no fim do campeonato foi contratado pela Portuguesa para disputar o Campeonato Carioca de Futebol.
Na tentativa de intimidar a torcida mais inflamada do torneio, os oficiais cercaram o campo com centenas de soldados armados até a alma. Durante o jogo, os milicos babavam, mostravam uma disposição animal, dividiam forte e abriram 2 x 0 no primeiro tempo. Mas não contavam com o poder de fogo do Ordem e com a pontaria precisa de Filé, que acertou dois tirambaços no ângulo do goleiro-sargento. Miminho e Cacá completaram. Em plena ditadura, a torcida explodiu em felicidade e o Exército aprendeu que o uso da força nem sempre é um remédio eficaz. Na semifinal, 3 x 1, no Chelsea, de Copacabana, de Armando e Mãozinha.
– Só faltava o Naval, de Joaquim.
Joaquim é considerado até hoje um dos maiores jogadores de soçaite de todos os tempos. E ainda tinha o Cícero, Dazinho, Bernardo e Reinaldo Leusinger. Mas o Ordem estava abençoado! Quando o primeiro tempo terminou em 3 x 0 para Julio Benaiom, Ariovaldo e Caolho já choravam abraçados. O pessimista Milton Leal, pai de Filé, só acreditou quando o filhão marcou o quarto gol e fechou o jogo em 4 x 2. Após o apito final, o Aterro transformou-se num formigueiro azul e branco. No Flamengo, mandavam eles! Num arrastão de felicidade, os amigos de infância estacionaram na porta da Pizzaria Guanabara, na esquina das ruas do Catete e Silveira Martins, o point preferido. Em coro pediram ao jovem Chico Recarey, dono da casa, para descer todos os barris da cidade porque eles, mais do que ninguém, mereciam saciar a sede de tantos anos.
Ordem e Embalo marcaram época no Aterro do Flamengo!!!
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