por Péris Ribeiro
No badalado balneário de Atafona, o mais tradicional do município de São João da Barra, encravado no Norte do Estado do Rio de Janeiro, as bancas de jornais estampam, entre as principais manchetes daquela manhã, uma que, particularmente, mexe com a sensibilidade do antigo ponta-direita e meia-armador do Flamengo, Paulinho Almeida. É que, ali, está configurado o desaparecimento do velho amigo Dequinha – famoso pelo seu estilo clássico, como centro-médio -, morto na véspera, aos 68 anos, devido a uma cirrose hepática, em Aracajú, Sergipe.
Consta na matéria do Jornal do Brasil, que Dequinha morrera no esquecimento, triste e magoado, depois de ter sido o capitão e um dos heróis do tricampeonato do Flamengo, no início dos Anos 1950. Um título inesquecível, por si só. Mas, fundamentalmente, a primeira grande façanha de um time na história do Maracanã – o gigantesco e mágico estádio, que o carioca, orgulhosamente, só chamava de “ O Maior do Mundo”.
Abalado com o que lera, o que se percebe é que Paulinho remete ao passado em questão de segundos. E então sente, como que instantaneamente, estar de volta às radiantes tardes de domingo no seu velho Maracanã. O céu límpido e azul, o sol que convida a alegria, as arquibancadas coloridas de vermelho e preto, o ritmo pleno da festa…
Já, lá embaixo, o que se vê é mais um previsível show de bola dos garotos comandados pelo Feiticeiro Solich. Desta vez, a vítima é a Portuguesa. Que perde por 6 a 0 ainda na metade do segundo tempo, graças à facilidade de encontrar as redes de um Evaristo, um Índio, um Dida… E dele próprio, Paulinho – àquela altura, o artilheiro absoluto do Campeonato, com 17 gols.
Algumas semanas depois, era esse Flamengo avassalador de Don Fleitas Solich e Dequinha que se consagraria como tricampeão carioca. E se o infernal Dida iria se imortalizar como o herói dos 4 a 1 em cima do América, na decisão, quem levaria definitivamente a palma de maior artilheiro da competição seria mesmo ele, o não menos endiabrado Paulinho Almeida, com 23 gols.
Ainda saboreando a glória do inédito tri, eis que lá iria Paulinho, logo depois, desfrutar do seleto ambiente da Seleção Brasileira, ao lado do amigo de sempre, Dequinha, e ainda de Evaristo de Macedo e Pavão – formando assim o quarteto rubro-negro convocado para a excursão à Europa. E seria lá, no Velho Mundo, que Paulinho teria a honra de pisar a grama sagrada de Wembley, ao lado de craques notáveis como o mestre Didi, Gilmar, Canhoteiro, Zózimo, Dequinha e os dois Santos, os eternos Nilton e Djalma.
– Pois é, pode parecer frase feita, mas não é. Naquele tempo, sim, é que eu era um homem feliz! Era feliz, e sequer sabia… Não tinha disso, a mínima noção– disse-me ele, certo dia, numa daquelas mornas tardes de verão lá em Atafona. Quase que a parodiar, sem querer, o genial compositor Ataulfo Alves.
Naquela tarde longínqua – tenho certeza -, volvendo aos velhos jornais e às antigas revistas, e se debruçando demoradamente sobre os recortes das glórias no Flamengo, na Seleção Brasileira e no Palmeiras – pelo qual foi supercampeão paulista, em 1959, ganhando do Santos de Pelé na decisão -, o reencontro do antigo ídolo com o sucesso me parecia, isso sim, um misto de puro êxtase com uma certa aura de maldição.
Tempos depois, na inglória luta por uma aposentadoria que nunca vinha, o que veria Paulinho nas noites de insônia, senão o beque caído, o goleiro vencido, as redes balançando?
No vídeo-tape da memória – sou capaz de garantir -, só havia espaço mesmo para a torcida gritando o seu nome. A faixa de tricampeão pelo seu amado Flamengo, a reluzir-lhe no peito. A consumir-lhe as madrugadas, apenas o delírio da eterna paixão rubro-negra.
0 comentários