texto: Marcelo Mendez | fotos: Fabiano Ibidi
Era uma manhã chuvosa na várzea…
Uma manhã de chuviscos e ventos, aquela hora do dia que Chico escolheu para cantar que “Eu faço samba e amor até mais tarde e tenho muito sono de manhã”. Aquele dia em que o barulhinho dos pingos da chuva respinga em sua janela, criando assim uma sonata pra te acordar e depois vai embora.
Por capricho aparece, por magia se vai. E o dia começa. No piso que outrora foi árido, seco e duro, por esses dias, molhados pela chuva dengosa, tornam-se fofos, um tanto escorregadios e em algumas partes, pesado. Por alguns cantos da cancha, poças são espelhos a refletir narcisos que o habitam munidos por chuteiras coloridas que dentro em breve, marrom serão.
O torcedor na arquibancada improvisada, esta atento. Olhos e guarda chuva apostos para qualquer eventualidade e a bola adentra para ficar lindamente suja.
Era esse o cenário do no campo do DER em São Bernardo onde o time da casa enfrentava o Nacional da Vila Vivaldi. As coisas seguiam dentro de uma normalidade corriqueira até em determinado momento, uma bola foi chutada para o alto. Eram jogados alguns minutos não se sabe quantos…
O tempo na várzea é o que define o espaço necessário para que se crie o verso.
São muitas as coisas que acontecem enquanto a bola viaja pelo céu que cobre o futebol que se joga pelos terrões dos arrabaldes do Brasil. Sonhos, visões, aspirações, um gole de cerveja, da tempo de muita coisa enquanto a bola marrom faz seu vôo. Na viagem que aquela bola fez pelo céu do DER, tudo isso aconteceu e o seu pouso não podia ter uma sorte melhor…
Acomodada por um peito que, muito mais que um conforto, lhe fez um afago, a bola marrom encontrou Elson e sua camisa 11 do DER. Acarinhada como a amante que surge na tarde vazia que antes era só solidão, a pelota se sente em paz, feliz, realizada. Ela então se ajeita para ajudar o atacante que tão bem lhe quer. O zagueiro do Nacional olha, tenta fazer algo, afinal está ali para ser o vilão da cena. Mas meio que hipnotizado pelo que a arte reservava para o episódio, pouco faz e então, com a leveza de um bailarino, Elson joga as pernas para o alto e mete uma bicicleta, mandando a bola pra o fundo das redes do Nacional. Que golaço!
O estádio em festa, os copos de cerveja pra o alto, os instrumentos de samba em fúria, a torcida em êxtase, o cronista feliz; Tínhamos então um gol de bicicleta! Depois disso, tivemos um segundo tempo bom, bem jogado, disputado, o Nacional fez boa figura, tentou uma sorte melhor, mas não se falava de outra coisa na manhã de chuviscos em São Bernardo:
Teve um gol de Bicicleta!
Caros amigos leitores, eu entendo… Respeito os que preferem as pinturas de Goya, a força neo-realista do cinema de Michelangelo Antonioni em seu ótimo filme “A Noite”. Mas os afirmo sem medo de errar, que, perto de um gol de bicicleta na várzea todas essas coisas nada mais são do que pastiche! Nada… Nem Antonioni é maior que o gol de bicicleta marcado por Elson na várzea. Elson nosso herói, portanto!
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