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ELEGIA AO FRANGO

15 / dezembro / 2022


“Nunca cometo o mesmo erro duas vezes.
Já cometo duas, três, quatro, cinco, seis.
Até aprender que só o erro tem vez”
Paulo Leminski

por Marcos Fábio Katudjian

Nelson Rodrigues dizia que o motivo que leva os torcedores ao estádio não é o gol, como pode parecer. O gol é apenas a ponta do iceberg das razões pelas quais o futebol exerce seu magnetismo sobre as massas. Sob a superfície, o inconsciente se revela muito maior. Os torcedores compram ingressos, sol após sol, ano após ano, e lotam os estádios e a frente dos televisores não para ver o gol, mas o frango. Sim, o frango é a grande razão de ser do futebol, o que realmente atrai as multidões.

Mas o que há de transcendente no frango que o faz tão central para o esporte, segundo nosso maior dramaturgo?

Eu vos digo, o frango representa a consumação de um dos maiores medos humanos: a detratação pública. De um lado, nosso pequeno eu, de outro, o Maracanã lotado e tudo que está fora do Maracanã, o mundo todo, rindo a plenos pulmões da tolice de nossas pretensões, da fragilidade de nosso ego em sua presunção de potência.

Todas as humilhações sofridas pelo ser humano comum, dia após dia, estão ali consubstanciadas na tragédia da nudez da nossa condição, e em tudo que há nela de patético, constrangedor e desassistido. O peru irremediável ali ao vivo e a cores na tarde ensolarada e pornográfica dominical, o frango no Domingão da TV, o frango no Fantástico, o frango nas manchetes dos jornais e nas dezenas de mesas redondas, o frango na boca das padarias Brasil afora, mundo afora. E hoje em dia, sobretudo, numa época tão propensa a linchamentos, o frango nas redes sociais representa como que uma crucificação pós-moderna.

O frango, senhores, como os cristãos nos coliseus de outrora, tem um imenso poder expiatório. Em ambos os casos, por caminhos diferentes, contempla-se a nossa fraqueza e a nossa mortalidade e tudo que há de grotesco nela. Se nas arenas romanas era a carne que se desfazia em cena, no caso do frango é a persona e o ego que são sacrificados. A plateia, em sua fúria regozijante, tanto em um caso como no outro, celebra o humano em sua fragilidade diante do destino inexorável que é perder-se como indivíduo.

O poder de expiação do frango é o poder do clown, que toma o ridículo que há em todos nós – o ridículo que nos esforçamos para esconder do mundo, o trancafiando nas masmorras intransponíveis do nosso inconsciente – e o expõe vexatória e gloriosamente. A arte do palhaço se resume em dar uma função para o ridículo dissimulado, fazendo com que efetivamente emerja em risos.

O ser humano sob as traves é nosso semelhante. Assim, o frango nos irmana e liberta em nosso complexo de vira-latas. Não há pose aristocrática que precisemos manter, pois a verdade é que não temos, nunca tivemos pedigree. Não somos filhos de Deus, mas do palhaço mais desajeitado do circo, do bobo da corte mais desprezível do reino. Essa é a nossa verdadeira ascendência.

Assim, o palhaço e o goleiro em seu ato (anti)heróico, afirma nossa condição humana e do alto de sua sabedoria nos ensina em meio à catarse de nossos risos, “está tudo bem em sermos humanos”.

Viva o frango!

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