por Rubens Lemos
Era no meio-campo que os meus olhos estavam grudados naquela tarde de domingo, 26 de janeiro de 1992, escravo de Galvão Bueno, Estádio do Pacaembu com pouco mais de 15 mil torcedores. O Vasco enfrentaria o Corinthians e o (meu) desejo de uma lição exemplar: tirar a prova definitiva sobre quem, de uma vez por todas, seria o melhor meia-armador do Brasil.
Naquele tempo Gerson era comentarista, Rivelino criava seus curiós e Didi esnobava elegância para um senhor de idade avançada. Silvio Santos torturava os lares com novelas mexicanas no SBT e esquentava uma febre com sotaque de Supla, o filho de Eduardo e Marta Suplicy pelo camisa 10 Neto, que chegou a ser comparado com Maradona em delírio da Revista Placar.
Chamava-se Geovani, o autor intelectual do Vasco, banido da seleção brasileira por Parreira e Zagallo que já preferiam os carrinhos truculentos de Mauro Silva e Dunga e o duelo bem desigual entre o iniciante Raí e o festejado Neto. Flamenguista fanático, o inesquecível Bussunda meteu-se na polêmica para defender Geovani.
O duelo entre Geovani e Neto nunca houve. O vascaíno fez o jogo correr à sua cadência, com uma falsa impressão de comandar o samba em ronco de cuíca. Aos 15 minutos do segundo tempo, Neto dando gritos e empurrões inúteis no homem que jamais conseguiu barrar na seleção brasileira, o Vasco vencia o Corinthians por 3×0.
Que meio-campo aquele armado por Nelsinho, clássico solista do Flamengo nos anos 1960, gêmeo de categoria de Carlinhos, o Violino. Ele montou o quarteto com Luisinho, Geovani, William e Bismarck. Os quatro destroçaram a dribles e olés a Neto, Tupãzinho, Wilson Mano e Ezequiel escalados ao impossível.
O jogo, para os tarados por estatísticas, acabou 4×1 e, segundo a edição do Jornal do Brasil guardada até hoje, Geovani recebeu nota 9 e Neto, 5,5. Era o padrão a cada confronto.
Todo craque de meio-campo veio do berço com um cérebro na suplência. O da antecipação visionária. O atacante titularíssimo dos vascaínos, ajudante-de-ordens do talentoso Bebeto era Sorato, atacante herói do título brasileiro de 1989, com um gol de cabeça marcado no São Paulo em pleno Morumbi.
Nelsinho contrariou a lógica e foi criticado por Galvão Bueno, o que simplesmente não conta e por Sérgio Noronha, veterano (já naqueles idos) e torcedor discreto do Vasco. Nelsinho escalou um moleque abusado que havia lhe seduzido numa preliminar de juvenis.
Nelsinho, sem clube no fim de 1991, estava na Tribuna de Honra do Ex-Maracanã quando viu um rapaz driblador arrancar do seu campo e ultrapassar seis zagueiros do Botafogo, sentar o goleiro e marcar para o time dos jovens vascaínos. Disseram-lhe que o menino jamais teria futuro.
Na comemoração, correu ao banco do adversário, xingou o técnico, disse-lhe palavrões. E já havia marcado outros dois, encerrando com a jogada extraordinária, o placar de Vasco 3×0 Botafogo.
O atacante Edmundo havia deixado o Botafogo por andar nu na concentração, provocando meninas de um colégio religioso da vizinhança. Se ganhou a ira dos cáusticos cartolas gloriosos, recebeu o convite do Vasco. Edmundo encantou Nelsinho, barrou Sorato e destruiu o Corinthians no Pacaembu, recebendo nota 10.
Seu jogo explodia em fúria incontrolável . Edmundo saiu do subúrbio para entrar na história, desmontando defesas e apavorando goleiros com uma artilharia raivosa e de técnica soberana.
Perdeu o Campeonato Brasileiro, ganho por Júnior do Flamengo, que esfolou, sem querer, o joelho de Geovani num clássico de mata-mata de classificação e caneladas.
Edmundo foi campeão carioca invicto, vendido ao Palmeiras, bicampeão brasileiro, fracassou no Flamengo pela incompatibilidade sanguínea. Voltou ao Vasco para uma temporada individual sem adjetivações em 1997.
Edmundo é o Almir Pernambuquinho dos sonhos contados por meu pai. Edmundo que guardarei pelo que comecei e nunca vou querer terminar de ver. Para não esquecer por não enxergar cópia. Edmundo. Do Vasco da Gama Foi. Jamais epitáfio. Uma placa. De furiosa emoção.
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