por Zé Roberto Padilha
Ate nós, jogadores, ficamos assustados com o tamanho daquele burburinho. Não era a final do Carioca ou do Campeonato Brasileiro de futebol. Muito menos, havia uma Copa Libertadores em disputa. Era apenas o primeiro Flamengo x Vasco pelo primeiro turno do estadual de 1976. Se ficamos assustados em campo, os torcedores não. Estes foram avisados pelos Deuses do Futebol: “Vão para o Maracanã, meus filhos, assistir um ser quase humano em extinção”. E eles, 174.770 torcedores, que se transformou no quinto maior público da história do maior estádio do mundo, se espremeram entre a geral, cadeiras e arquibancadas. Era um domingo, dia 4 de abril de 1976. E domingo era dia de Zico.
A ficha só caiu diante daquela profusão de gente quando ele, Zico, fez um corta luz para o Luizinho e correu para receber à frente. Aos 25 minutos do primeiro tempo. Nosso camisa 9 tocou mal e a devolução subiu mais do que devia. Pouco importava, ele acertou o corpo na corrida e, de primeira, desferiu um sem pulo improvável e jogou a bola no ângulo esquerdo do Mazarópi. Era um lance raro até para o futebol arte praticado no país naquela ocasião. Mas era um domingo de futebol no Rio. E domingo era dia de Zico.
Quem jogou aquela partida, como eu, precisou, desde então, adotar como os sobreviventes de Hiroshima, as testemunhas da queda das torres gêmeas, do terremoto de San Francisco, um psicólogo e um otorrino. As cenas e os zumbidos permaneceram acesos e nos fazem abrir os olhos assustados de madrugada diante de um silêncio que, nos parece, preceder a chegada de uma enorme explosão. Nenhum público do atual Campeonato Brasileiro atingiu 77.770 espectadores. Se alcançassem, imaginem mais 100 mil pessoas com seus isopores, fogos, apitos e bandeiras.
O Maracanã, que era nosso, era um estádio ocupado por um povo feliz e miscigenado antes da chegada do padrão sectário da FIFA. E nossos templos sagrados viraram arenas, os espetáculos se tornaram dramas e os dribles, os gols, toda a magia foi desaparecendo junto à multidão. Só ficou mesmo no Rio o domingo. Com praia, sol, gente bronzeada e bonita, mas nunca mais se viu uma tarde sua igual aquela. Um domingo que era dia de Zico.
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